Eduardo Gosson
Presidente da UBE/RN
VIII – EU NÃO SABIA QUE DOÍA TANTO
08 – MARIA DANTAS DE ARAÚJO
Por Eduardo
Gosson (*)
“Mamãe, minha mãe e
mãe”(1)
De olhos florestais
E cabelos cor de mel,
Amava-nos.
Entre nós grandes silêncios!
No meio, a “Rua do Motor
com urubus e carniças”.
Agora, a Nova Jerusalém celestial
Onde Deus
Espera-lhe
Entre o azul e o infinito.
Maria Dantas de Araújo
era natural de Jardim do Seridó/RN, filha de Belizário e Cipriana (avós
maternos). Ele, pedreiro; ela, do lar. Mamãe conheceu meu pai aos 14 anos de
idade e ele com 16. Aos 20 anos, ela me pariu. Fui o primeiro neto, o primeiro
sobrinho. Nasci na Maternidade Januário Cicco e morei durante dois anos e oito
meses na Rua do Motor, localizada entre a Avenida Sylvio Pedroza e o Hospital
Universitário Onofre Lopes. De origem humilde, viveu 12 anos com o meu pai
(nunca casaram formalmente) e sofria de problemas psiquiátricos, diagnosticado
por Dr. Franklin Capistrano como transtorno bipolar.
Após a separação, foi passear na
Bahia, uma vez que lá morava sua irmã
Marleide. Após algum tempo, resolveu conhecer o Brasil. Demorou 10 anos nesta travessia e a
única forma de comunicação com ela era através de carta:
“Entre nós
grandes silêncios!”
Quando as suas cartas
chegavam, eu me trancava e passava um
dia inteiro lendo-as e relendo-as. Quando cansava, colocava-as sobre mim. Era
uma forma de evitar o esquecimento e uma forma enlouquecida de dizer:
“Mamãe, apesar da
distância. Eu te amo”.
Voltei a reencontrá-la dez
anos depois, em estado de extrema pobreza: morava no pé do morro, lá no bairro
do KM-6. Por essa época começava a participar das lutas comunitárias: saía de
casa em casa com a primeira esposa que era médica. Ela, consultando o povo; eu,
tentando organizar politicamente a comunidade em parceria com a Igreja
Católica, através das Comunidades Eclesiais de Base – embrião da Teologia da
Libertação. Esta corrente foi dizimada pelo papa João Paulo II e pelo o atual –
Bento XVI.
Passei ajudá-la: pagava a
conta da água, da luz e do gás. Até que a mesma arranjou um trabalho de
Auxiliar de Enfermagem no leprosário São Francisco de Assis, aonde veio a se
aposentar. Para completar a renda, vendia roupa de porta em porta e criava
porcos. Nesse espaço de tempo, nasceu Sérgio, irmão por parte de mãe.
Temperamento agitado dizia o que queria.
Protestante da Assembleia de Deus durante dez anos, aborreceu-se com o pastor por causa da
rigidez no vestuário: gostava de se arrumar e de usar maquiagem. Ao ser
patrulhada, retrucou:
“Maria: o senhor paga a minha
feira?”
“Pastor: não!”
“Maria: então vá tomar no cu...”
Nunca mais botou os pés lá!
No ano passado, sentiu um
dor na parte inferior do ventre por volta de 23h, quando meu irmão levou-a para
o hospital Walfredo Gurgel. Lá foi diagnosticada com diverticulite (inflamação
nos intestinos). Após autorização dos filhos (eu e Sérgio), foi cirurgiada pela
madrugada. A operação correu normal e ela ficou em observação no pós-operatório
por dois dias até que seu quadro de saúde piorou e ela veio precisar de uma
UTI. Todas estavam lotadas. Fiz de tudo para conseguir uma vaga com o Dr.
Renato, que trabalhou com minha esposa na Secretaria Municipal de Saúde, e
estava respondendo pela Direção Geral. Passei uma tarde inteira no Walfredo
juntando documentos para ingressar na Justiça com uma Ação de Obrigação de Fazer. Por volta de meia-noite, a petição
estava pronta para de manhã dar entrada. Às
duas horas da madruga, veio a
óbito. O serviço social ligou para mim e para meu irmão (este não teve coragem
de ir liberar o corpo) e eu fui. Foi o pior lugar que entrei na minha vida:
pouca luz, fétido e muita gente morta!
“No meio, a Rua do Motor
Com urubus e carniças”
“agora a Nova Jerusalém
Celestial
Onde Deus espera-lhe
Entre o
azul e o infinito”
Eu não sabia que doía
tanto!
(*) Poeta. Preside a União brasileira de Escritores – UBE/RN (2012-213)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Teremos o maior prazer em receber seu comentário.