Fim de festa
“Tenho a sensação de um aborto”, descreveu o ator e professor de artes cênicas Jonas Sales ao receber a notícia de que a Festa do Menino Deus (auto de natal promovido pela Fundação José Augusto) não aconteceria mais. Depois de seis meses de produção e quase dois de trabalhos cênicos diários, a Fundação José Augusto precisou interromper a festa alegando falta de verba.
AnchietaEspetáculo Auto do Menino Deus, do ´ governo do Estado, criado há dois anos para substituir “Um Presente de Natal”, foi cancelado por falta de verba
Jonas, assim como os mais de 150 artistas que participavam da preparação da Festa, sentiram na pele a ausência de uma política cultural sólida e planejada. “A partir do momento que um governo desmonta um espetáculo quando está prestes a estrear, a sensação é essa, de perda, de desolamento. Estamos desolados enquanto artistas”, desabafou Jonas.A notícia veio através do próprio diretor da Fundação José Augusto, Crispiniano Neto, que na tarde da última terça-feira foi até o ensaio explicar o que havia acontecido. “O orçamento do espetáculo era de R$ 500 mil reais e entramos com a solicitação de recursos ao conselho de desenvolvimento do Estado pois não tínhamos mais verba na Fundação e o pedido nos foi negado. Não posso fazer julgamento de valor, me cabe apenas dizer que não foi liberado. Esse é um reflexo da dificuldade financeira que o Estado vem passando. Mas não é só aqui, isso está acontecendo em todo o Brasil e no mundo. E em cultura, infelizmente temos que lidar com isso. Se tira verba da cultura para suprir as necessidades das outras áreas como saúde e educação”, disse Crispiniano em entrevista ao VIVER.
A realidade também bateu na porta de outros projetos da cidade como o Seis e Meia que precisou ser interrompido em outubro. “Suspendemos o projeto de outubro, novembro e dezembro e estamos lutando para pagar o que devemos para os músicos”, disse Crispiniano.
A Fundação José Augusto teve em mãos este ano R$ 22 milhões, sendo R$ 18 milhões destinados a suprir custos internos do órgão. “Nossa luta é que seja concretizada a nova proposta no Governo Federal de implementar a lei de destinar 1,5% do orçamento da união para os estado. “Se for concretizado, passaremos de R$ 22 milhões para R$ 110 milhões de verba anual destinado a cultura do RN. Isso modificará completamente este quadro difícil que temos hoje. Aí sim poderemos planejar uma política cultural mais sólida. Ao contrário é a eterna mendicância, vamos mendigar recursos a vida inteira. Isso é massacrante, é cruel”, desabafa.
Além de gestor, Crispiniano é também autor de textos literários e diz sentir a mesma perda de Jonas (o ator citado no início da matéria). “Ontem, conversando com os atores, eu senti a mesma estranheza de quando há 4 meses eu ouvi que o Auto da Liberdade de Mossoró não seria concretizado. Eu, como autor do auto, fiquei perplexo. Posso dizer que dar essa notícia aos atores ontem foi o dia mais triste da minha gestão”, completou.
Encaixotando os figurinos
O bater do martelo anunciando o cancelamento de um espetáculo reflete em um conjunto de desilusões e desconstruções. Não só o tempo gasto com os ensaios e a construção de um personagem, mas o todo que isso envolve. “Isso fere a classe artística inteira. É muito triste ver pessoas que iniciaram agora na arte e se sentem frustradas. O espetáculo educa artista, educa público e foi muito frustrante ver aquelas pessoas tristes, chorando por isso. Foi uma das perdas mais comoventes de minha vida enquanto artista e isso inclui fortemente ver a cena dos atores, bailarinos e quadrilheiros desiludidos”, disse Jonas Sales.
Segundo João Marcelino, diretor do espetáculo, estavam envolvidos 150 artistas entre atores, cantores, quadrilheiros, técnicos, contra regras, criadores de imagem, produtores e figurinistas. “Estavam trabalhando Haroldo Maranhão na construção e desenho do cenário, Racine Santos na assinatura do texto e Danilo Guanais na construção musical. O projeto começou há seis meses. Desde a conversa com Danilo Guanais e o tempo longo para trabalhar a música, até a construção do próprio Racine e as mudanças no texto. É um processo muito intenso. Além disso, os figurinos, mais de 30 desenhados e aquarelados estão todos prontos. Quando a gente chega na parte do ator tudo isso já está levantado. E com a força de todos, Wanie Rose coreografando, a gente trabalha a tal ponto que estávamos com tudo pronto, incluindo aí adereços e figurinos”, contou João Marcelino.
Trabalho dos técnicos
Dentro dos 150 artistas estavam cinco pólos de quadrilhas estilizadas e os artistas pessoal do Circo Grock, além de atores de diferentes cidades do Rio Grande do Norte na intenção de “descentralizar” a arte. “Vieram artistas de Currais Novos, artistas de Mossoró e de outras partes, envolvendo o Estado”, disse Marcelino.
Ao todo, seriam cinco apresentações no Largo Dom Bosco que aconteceriam entre os dias 26 a 30 de dezembro. “Fizemos a escolha das datas para que não houvesse choque na programação com os outros autos”, disse João Marcelino.
Crispiniano Neto informou que a Fundação José Augusto está estudando uma forma tentar ressarcir as perdas causadas para os atores e todos os envolvidos na produção.
Fonte: Tribuna do Norte 10/12/09
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