Cartas para Mel – XII
Futebol muito sério é gol contra
Por Flávio Rezende*
Linda e doce Mel, eu não sei como vai ser a prática do futebol quando você chegar aos 12 anos, mas, atualmente, em 2010, elevaram este tão belo e querido esporte a um patamar de seriedade tão grande, que ele está se inviabilizando aos poucos.
O Brasil e até o planeta como um todo, vive uma crise de seriedade que, tendemos a substituir algumas coisas que deveriam ser sérias, por outras. Vejamos a administração pública. Ao não priorizar o fim das guerras, da fome e da desigualdade social, lentamente os governos vão perdendo o foco democrático da representatividade e, na tentativa de perpetuar seus próprios interesses ideológicos e materiais, perdem toda a legitimidade e seriedade de suas razões de ser.
Ainda sem o poder de promover grandes transformações estruturais em suas vidas, os seres então entronizam outras coisas como sérias, elegendo até inconscientemente o futebol, como uma delas.
Isso, infelizmente não é bom, pois o futebol ao contrário do que andam dizendo muitos por ai, não deveria ser a vida de ninguém e, sim, uma diversão de meio e de fim de semana, um lance legal, mas nunca o que atualmente está representando.
Vamos aos fatos adorável Mel. Quando fomos ao Rio de Janeiro recentemente, ouvi críticas de um jornalista numa FM a um jogador que cantava vitória num compromisso futuro do seu time. O cara dizia que isso não podia acontecer que não era profissionalismo falar em vitória antes que a mesma fosse uma realidade e por ai foi.
Quando ouvi isso caminhava no gostoso calçadão de Copacabana e comecei a lembrar do passado, quando no início dos anos 80 passei a gostar de futebol. Era o tempo em que os jogadores iam para as emissoras de rádio dizer que iam botar pra quebrar, no bom sentido, iam ganhar o jogo, que o time adversário era “freguês”, que ia fazer dois, três gols para a torcida ficar feliz. Naquele tempo futebol era diversão, todo mundo gozava da cara do adversário, dizia tudo que queria e toda a algazarra morria ali mesmo sem maiores conseqüências.
Agora ninguém pode dizer mais nada, tudo está sério demais, declarações são tidas como antiéticas, agressivas, a patrulha ideológica ronda os gramados e tudo tem que ser milimetricamente medido sob pena de grandes repercussões negativas na mídia atenta e policialesca da atualidade.
Antigamente a gente torcia pelo time de maneira suave e, as razões de nossas vidas eram as famílias, os trabalhos, com o futebol ocupando o espaço do lazer. Hoje os torcedores dizem que seus times são as razões de sua vida, alçando suas equipes a um patamar tão elevado e perigoso, que ocasiona brigas, desavenças, intrigas, pois estão entronizando em lugar de alto relevo, uma coisa que têm adversários, numa perigosa valorização que dá no que dá.
Muitos outros aspectos foram sendo incorporados na medida em que o futebol foi ficando sério demais. Como a mídia adotou o esporte, abrindo grandes espaços, os jogadores foram virando deuses, seus salários astronômicos ficaram fora da realidade do mercado de trabalho, os egos inflaram, dirigentes passaram a ser políticos, ladrões, empresários do futebol, tudo foi mudando e, a poesia dos campos, acabando.
O futebol precisa voltar a ser uma diversão. Os torcedores precisam sorrir mais e brigar menos. Os aproveitadores identificados e trancafiados. Os fanáticos precisam voltar a gostar da família e da vida, ter amor pela natureza e pelo trabalho, deixando o futebol como algo agradável, bom de curtir e um passatempo legal.
O melhor do futebol é o gol. Todo mundo vai ali para ver gol. Se é assim não entendo amada Mel, por qual motivo não mudam as regras para que os jogos terminem em 5 x 3, 8 X 4, 9 X 3. Sabe como? Muito simples, basta acabar com os impedimentos e aumentar a trave dois palmos para cima e para os lados.
Quem gosta de 0 X 0, 1 X 0, 2 X 1? Eu gosto é de bola na rede, de gol, de jogo legal, de chiar do adversário, mas de maneira sadia, de ver o jogador do meu time dizer que vai ganhar, que vai dar uma boa surra no adversário, tudo de maneira agradável, legal, sem descambar para a deselegância ou a vulgaridade.
Dá para jogar, torcer, dirigir de maneira que o futebol seja uma grande diversão. Dá para ganhar dinheiro honestamente, torcer decentemente e colocar o futebol no seu verdadeiro patamar, de um lazer gostoso e um passatempo maravilhoso.
Minha vida doce Mel, não é o ABC, o Flamengo ou o Brasil. Minha vida é você, seu irmão Gabriel, sua mãe Deinha, meus pais e irmãos, a Casa do Bem, amigos e minhas atividades profissionais. Os meus times me dão enorme prazer, são maravilhosos, gosto muito deles, sinto muita emoção quando ganham e, entendo quando perdem, mas não passam disso, uma gostosa diversão.
Colocar times de futebol como a última Coca-Cola do deserto é muito, muito perigoso e, dá no que está ai, tudo sério demais, tudo perigoso demais, a um passo da inviabilização total do esporte, pela dificuldade de pagamento dos salários, pela violência dos torcedores e policiais, pela roubalheira dos dirigentes e pela cobertura exagerada da mídia, que ao invés de cobrir os grandes problemas do planeta, fica dando espaços exagerados a uma coisa que no meu modo de ver, é apenas uma boa e gostosa diversão.
* É escritor, jornalista, pai de Mel, Gabriel e esposo de Deinha em Natal/RN (escritorflaviorezende@gmail.com)
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