Ceará - Mirim Ceará - Mirim adormecida.
Regresso saudoso e no encontro lamento teu destino, renascida Tróia, na Via Láctea suspensa pelo novelo de Ariadne.
Ceará - Mirim Ceará - Mirim eterna, submersa no vale rasgado pelo rio. Vento, sol, neblina entrelaçados, tecem, no abandono, verdes que alucinam, pelas mãos dos fantasmas nos escombros dos engenhos.
Cidade abençoada submetida aos sonhos construídos à sombra dos antigos átrios, circulados de colunas jônicas.
O pólem expirado pelos poros da cana-de-açúcar viajou no colo da brisa do estio.
Pelas ruínas das venezianas entregou sua estranha alma aos nossos corpos e no silêncio das noites extinguiu as velas de oratórios ancestrais como se nossas vidas apagassem.
II
Ceará - Mirim Ceará - Mirim o espírito dos antepassados, a rapidez do tempo substituiu por envelhecidas sombras fixadas na tua arquitetura.
Apenas a igreja, consagrada à Virgem da Imaculada Conceição, resiste e desafia à decadência.
Ceará - Mirim Ceará - Mirim das manhãs fugidias nos invernos, claros matizes recolhidos por duendes à caixa de Pandora.
Presos entre salas e alpendres, os meninos brincavam, mas doía-lhes a umidade, emanante do assoalho e das paredes.
Na queda intermitente da água, as biqueiras davam a impressão de pêndulos metálicos que nos relógios arrastavam horas preguiçosas.
III
Ceará - Mirim Ceará - Mirim.
O milagre no final da invernada, devolução do azul ao céu escampo lusco-fusco vespertino a conduzir nas chalupas da noite as sobras do ocaso, coaxar de rãs nos charcos, monocórdicos ruídos de grilos e besouros, a efêmera luz dos frágeis vaga-lumes.
Claros das luas espraiados nos telhados, novenas de maio, rosários de dezembro, casais de namorados nas calçadas, terraços elevados, violões harmoniosos, um estudo de Tárrega, uma sonata de Beethoven, débil luz de candeeiros, refulgindo a aguardente nas taças cristalinas.
A fumaça dos cigarros evolando-se, a solidão noturna das ladeiras, o quadro de lembranças concluído.
IV
Nas esquinas vazias, a alma dos avôs, o aroma fresco da alfazema, a lentidão dos passos.
De repente, o sino melancólico, distante, Senhor da vida escurecendo lâmpada, estrela cadente, vida arrebatada, o Caminho da estação do trem das Parcas, o último minuto, lágrima, adeus.
Ceará - Mirim Ceará - Mirim adormecida.
Nada regressará do mistério da viagem.
Somente eu pareço desperto no teu seio, até que a vida me liberte da saudade.
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