segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE


Públio José – jornalista

(publiojose@gmail.com)

Para os que crêem no criacionismo, teoria da origem dos seres humanos por criação divina, conforme está descrito no Livro de Gênesis, o homem foi feito para dominar. “E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra”. Portanto, não resta a menor dúvida de que Deus nos fez dominadores, capacitados a sujeitar todas as coisas na face da Terra ao nosso mando, segundo o capítulo 1, versículo 28, de Gênesis. Ao mesmo tempo, Deus também nos fez dotados da capacidade racional de analisar o contexto no qual estamos inseridos para descortinar, discernir o momento de obedecer. Assim, estamos fincados na Terra sob essas duas alternativas: dominar e obedecer. O primeiro sentimento aflora em nós de forma instintiva; já o segundo nos exige uma sólida postura de racionalidade.

Trazendo a questão para os tempos atuais, erigidos sob a égide da legalidade, da ética, da obediência às leis, da ocorrência da democracia na grande maioria das nações, chegaremos à conclusão não ser fácil para o homem administrar esses dois sentimentos antagônicos diante da vida que corre. É natural no homem o desejo de dominar. Para dominar é preciso transgredir, não conhecer fronteiras nem limites. Já o obedecer... Alguém deve está se indagando, então, por qual motivo Deus fez o homem dominador se é necessário que ele se sujeite às normas, ao imperativo das autoridades. A questão é que Deus criou o homem dominador e o orientou no sentido de sujeitar todas as coisas num momento em que, entre o homem e Deus, não havia ainda a ocorrência do pecado. A capacidade dominadora do homem aconteceria, portanto, num mundo harmônico, equilibrado, desprovido, assim, dos males advindos da desobediência.

Daí, diante de uma nova realidade, de um novo contexto no relacionamento com Deus, marcado pelo pecado, foi necessário ao homem reprogramar-se, readaptar-se a essa nova situação, na qual é natural o exercício da sua capacidade dominadora, ao mesmo tempo em que a convivência civilizada se lhe impõe limites, anteparos só admissíveis, só executáveis sob as asas da obediência, da racionalidade. Como sempre faço, me aproveito, nessas horas, dos ensinamentos de Jesus. Da sua imensa sabedoria, da sua capacidade infinita de nos orientar e de nos inserir nessa nova ordem, na qual, somente pela prática do amor, conseguiremos conviver dentro de nós mesmos com dois sentimentos tão distintos e conflitantes. Pois, somente pelo amor, conseguiremos aliar à prática da obediência e da submissão o desejo que nos move de querermos impor sempre a nossa vontade, os nossos pontos de vista, a visão egoísta que o nosso lado dominador nos faz ter da vida.

O exemplo de Jesus, no tocante à prática da submissão, do respeito ao próximo e, conseqüentemente, ao exercício da legalidade, está registrado em Mateus, capítulo 17, versículo 24 ao 27. O texto mostra, diante dos cobradores, o gesto de Jesus se submetendo ao pagamento de impostos. Como em breve ele estaria longe dos discípulos, não mais na condição de mortal, tratou logo de ensinar a Pedro como se portar diante da responsabilidade universal do pagamento de impostos, como está descrito no versículo 27: “Mas, para que não os escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, e o primeiro peixe que fisgar, tira-o; e, abrindo-lhe a boca, acharás um estáter. Toma-o e entrega-lhes por mim e por ti”. Todos sabem que Pedro era pescador. Na sua instrução, Jesus o incentiva a ir ao mar, seu local de trabalho, para, através do ganho legal, cumprir com uma das responsabilidades legais do cidadão: o pagamento dos impostos.

Naqueles tempos vivia-se um clima de insubordinação, de emergente rebeldia. Dono de um vigoroso sentimento de liberdade, o povo judeu incentivava e praticava costumeiramente largos gestos de desobediência. Jesus veio, portanto, pregar e estabelecer uma nova ordem, baseada numa forte demonstração de domínio da incivilidade, da violência, da truculência, do desamor. Segundo ele, a condição de cidadão do seu reino dar-se-ia pela inversão dos valores. A nossa capacidade dominadora seria posta a serviço de impormos controles à nossa individualidade, ao hábito instintivo de ganharmos as disputas pelo emprego da força, da brutalidade, da violência. O princípio da legalidade surge, assim, da convicção de que seus direitos prevalecem na razão direta do respeito que você dedica aos direitos do outro. Uma postura, portanto, de obediência à legalidade. Princípio, por sua vez, origem e resultado da prática do amor.

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