domingo, 18 de setembro de 2011

NON SUM DIGNUS


Vaguei no silêncio das ruas tortuosas

vendo estrelas refulgir sobre o templo de Jerusalém.

Vaguei perguntando-me quem era e o que fazia ali,

sem respostas até chegar à porta do cenáculo.

Vinde forasteiro, logo será servida a ceia,

somos apóstolos resignados dentro da tempestade.

Não sou digno, senhor, do vosso teto e companhia,

do pão e do cálice que partilhareis com vossos convidados.

Senhor sou menor que o grão da pedra fragmentada

Que Harmattan misturou às areias do deserto.

Sou o que abandonou Madalena às margens do Lago Tiberíades,

que bebeu com Herodíades e dormiu nos diáfanos lençóis de Salomé,

que não acreditou no milagre das bodas de Caná,

que recusou a água da samaritana,

repudiou o irmão pródigo

depois dele ter sido conselheiro.

Escondi-me de Simão Cirineu na Via Dolorosa

e de Verônica que enxugou a face de Jesus.

Gritei pela libertação de Barrabás,

Estive no pretório de Pilatos e nada fiz.

Quero penitenciar-me regressando à Galiléia,

ver o sangue dos pés cobrir a poeira dos caminhos,

alcançar Belém e rezar na manjedoura,

diante do sepulcro vazio de José de Arimatéia

sentir a vitória e redenção do terceiro dia.

Ainda que sejam curadas as feridas estendendo

Sobre elas o sagrado manto do Cordeiro,

imagino a solidão e agonia do Iscariotes

para compreender que não sou digno

do perdão que ofereceis, apóstolo resignado.


Ciro José Tavares

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