Esta grande saudade eu não sei de que veio,
E nem sei porque foi que se infiltrou em meu seio.
Numa noite de lua eu olhava enleada,
Sobre os rolos, na praia, a esquecida jangada,
Que a procela, a ulular, destroçara e partira,
E que um bom pescador para ali conduzira.
E cismei, vendo os paus carcomidos, lodosos,
Que é das lendas gentis, que é dos sonhos radiosos,
Tantas vezes ouvidos no alto mar pelo estio,
Na voz doce e sutil de um pescador tardio,
Quando a brisa a soprar toda vela enfunava.
Ia a lua subindo e eu cismava,cismava.
De repente, no espaço, um claro som magoado,
Fez-se ouvir e eu pensei num país encantado,
Cheio de estranha luz e de estranha harmonia.
De uma flauta era a voz que eu docemente ouvia,
Um soluço, um queixume agora, um trilo agora
Uma nota que ri, outra, depois, que chora.
Manso, o vento do mar encrespando as ondinas,
E deixando, depois, exalações marinas,
Ora trazia o som, ora ao longe o levava.
Ia a lua subindo e eu cismava, cismava.
Insondável mistério, o coração humano
Tudo, tudo passou e já fez mais de um ano,
E hoje, olhando o luar muito branco e suave,
Eu senti, dentro em mim, como um canto de um’ave,
Que tentasse alegrar a prisão solitária
A saudade vibrar os solfejos de um’ária,
Mas saudades de que? Do claro som magoado
Que eu ouvi e pensei num país encantado.
Ou da brisa a passar, muito de leve ungida
Do acre cheiro do mar, na janela esquecida?
Esta grande saudade eu não sei de que veio
E nem sei porque foi que se infiltrou no meu seio.
Adele de Oliveira
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