domingo, 9 de outubro de 2011

IGNOTA SAUDADE




Esta grande saudade eu não sei de que veio,

E nem sei porque foi que se infiltrou em meu seio.

Numa noite de lua eu olhava enleada,

Sobre os rolos, na praia, a esquecida jangada,

Que a procela, a ulular, destroçara e partira,

E que um bom pescador para ali conduzira.

E cismei, vendo os paus carcomidos, lodosos,

Que é das lendas gentis, que é dos sonhos radiosos,

Tantas vezes ouvidos no alto mar pelo estio,

Na voz doce e sutil de um pescador tardio,

Quando a brisa a soprar toda vela enfunava.

Ia a lua subindo e eu cismava,cismava.

De repente, no espaço, um claro som magoado,

Fez-se ouvir e eu pensei num país encantado,

Cheio de estranha luz e de estranha harmonia.

De uma flauta era a voz que eu docemente ouvia,

Um soluço, um queixume agora, um trilo agora

Uma nota que ri, outra, depois, que chora.

Manso, o vento do mar encrespando as ondinas,

E deixando, depois, exalações marinas,

Ora trazia o som, ora ao longe o levava.

Ia a lua subindo e eu cismava, cismava.

Insondável mistério, o coração humano

Tudo, tudo passou e já fez mais de um ano,

E hoje, olhando o luar muito branco e suave,

Eu senti, dentro em mim, como um canto de um’ave,

Que tentasse alegrar a prisão solitária

A saudade vibrar os solfejos de um’ária,

Mas saudades de que? Do claro som magoado

Que eu ouvi e pensei num país encantado.

Ou da brisa a passar, muito de leve ungida

Do acre cheiro do mar, na janela esquecida?

Esta grande saudade eu não sei de que veio

E nem sei porque foi que se infiltrou no meu seio.


Adele de Oliveira

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