sábado, 14 de abril de 2012

A coragem que só temos pelas costas




Existem muitas maneiras de sentir prazer na vida. Pessoalmente cito uma boa pizza, viajar, assistir jogos de futebol, tomar banho de mar, beijar os filhos, a esposa, relação sexual, conversar com os pais, ajudar o próximo, cinema, música, trabalhar, shows, carnaval, caminhar e ler um bom livro.

Muitas dessas coisas podem ser aceitas como legais pela grande maioria das pessoas, outras podem não ter tanto ibope assim para uns, que devem preferir outras opções, mas, tem uma coisa que sempre esteve em alta em todos os períodos, a famosa e popular: fofoca.

É fato que tem uma coisa que junta todo mundo ao redor da mesa de uma maneira intensa, provocando frisson, gritinhos, ouvidos apuradíssimos e expectativa da informação de alguma falha de outro ser, é o tal do mexerico.

Circulando por ai é fácil constatar a presença de grupos de homens e de mulheres, jovens, idosos, marcando encontros para conversar em shoppings, praças, clubes, sendo esta uma maneira saudável de tornar a vida mais alegre e, de, ficar sabendo das informações que a mídia em geral não pode divulgar por falta de comprovação.

Nestas confrarias, encontros, reuniões de grupos diversos, a fofoca corre solta, com detalhes completos de quem está roubando dinheiro do povo via governo, de quem está comendo a mulher ou o homem do outro, do religioso desvirtuado, da mais nova falcatrua, do produto que engana e da emergente que só quer saber de se dar bem.

Uma pesquisa na internet informa que os mexericos humanos remontam ao tempo das cavernas. As fofocas mais divulgadas de nossa história ou estória na Terra colocam a rainha Elizabeth como vítima em 1560, com forte conotação pessoal, tem ainda nos idos de 1917, informações de bastidores sobre estripulias sexuais do czar Nicolau II e de sua esposa e, algumas, até beneficiam alguns, como foi o caso do ditador Mussolini, que em 1922, terminou saindo por cima da carne seca com fofocas sobre um projeto de governo.

O problema com as fofocas é que, muitas vezes, as pessoasque são alvo das fofocas, são informadas por participantes dos grupos e confrarias, sobre o evento de "derrubação" e, furiosas com as acusações, partem para o revide, muitas vezes escolhendo alguém do grupo que tenha menos afinidade.

As brigas geradas em consequência de fofocas de grupos terminam em processos, agressões físicas, contratação de espiões, detetives, como no caso das fofocas que envolvem traições, gerando até emprego para alguns.

Outro aspecto neste universo de falar do outro de maneira prazerosa é que, a grande maioria das pessoas só tem coragem de falar se for pelas costas. Quando estão na frente tudo é muito cordial, beijinhos, apertos de mão, abraços, faz de conta que a pessoa não sabe de nada e, quando a coisa se torna pública, ninguém assume que disse e, tampouco que ouviu nada.

Já aconteceu comigo também. Certa vez estava numa reunião com sócios de um empreendimento carnavalesco e falei mal de uma participante da sociedade ausente da reunião. Todos ouviram, alguns concordaram, outros calaram e marcamos novo encontro. No intervalo os comentários ditos por meu ser acerca das deficiências administrativas da pessoa chegaram a seu conhecimento e, na reunião seguinte, a pessoa não teve papas na língua e me esculhambou dizendo que eu era covarde, falso e por ai foi. Ouvi tudo calado, pois, a pessoa tinha toda razão. Quando a verborragia temperada com ódio e reforçada com indignação terminou, eu disse simplesmente que essas coisas a gente só tem coragem de dizer pelas costas, que realmente se fosse para dizer pela frente eu não diria.

Ela então foi tomada por uma espécie de choque de verdade e, congelou. Sua respiração entrou num ritmo mais cadenciado, seu coração amoleceu diante da colocação nua e crua que disse e, liberou uma estrondosa risada, seguida imediatamente por todos.

Não sou psicólogo, mas, acredito que naquele momento ela percebeu que quase todos nós somos assim, só temos coragem de dizer certas coisas pelas costas e, os demais, também conscientes que esse é um comportamento quase que mundial, riram numa catarse gostosa e que até hoje comentamos.

O ser humano tem esse prazer de fofocar pelas costas, negar pela frente e, alguns, felizmente, quando pressionados, assumem, lembrando porem, que essa coisa de falar pela frente é muito rara, sendo que pelas costas é quase tão natural, como beber água e comer pizza.

Flávio Rezende, escritor, jornalista e ativista social, colabora às quartas-feiras.

http://www.diariodenatal.com.br/2012/04/11/opiniao.php

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Seja feliz, Flávio Rezende


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