DIONÍZIO DE APODI
ATOR
Dionízio do Apodi é um artista abnegado e comprometido com arte em
Mossoró, jovem idealista que há mais de uma década milita no movimento
cultural do município. Conhece como poucos as entranhas da cultura de
Mossoró e a realidade dos artistas da terra. Nesta entrevista, expõe seu
ponto de vista sobre o cenário cultural da cidade, de forma sincera e
sem amarras. Em alguns trechos, desabafo contra injustiças aos artistas.
Em outros, grito por justiça aos fazedores de cultura e repúdio a
fantasias impostas como verdade.
Por Maricelio Almeida
maricelio_almeida@hotmail.com.
O MOSSOROENSE – O senhor participou, recentemente, de um
protesto que fez o sepultamento simbólico do Museu Lauro da Escóssia e
do Teatro Lauro Monte Filho. O que levou os artistas a fazerem essa
mobilização e qual o objetivo da iniciativa?
DIONÍZIO DO APODI – Nós elegemos o Museu Lauro da Escóssia como
símbolo do descaso do poder municipal para com a nossa cultura, e o
Teatro Lauro Monte como símbolo do descaso do Governo do Estado também
para com a nossa cultura. Os dois monumentos são símbolos de nossa luta,
o que significa dizer que não queremos apenas os dois funcionando, mas
temos outra série de reivindicações no plano municipal, estadual e
federal também. O Museu não funciona desde o ano 2000 e de lá para cá,
se alguém pegar os jornais que contam esta história, verá que quase todo
ano temos notícias de que a Prefeitura está organizando o seu retorno,
mas na prática continua fechado. O Teatro Lauro Monte Filho está fechado
desde 2008, entregue aos morcegos e aos pombos. Na verdade estes
equipamentos já morreram faz tempo, porque não estão servindo à
população. Mas aconselho a população a ler o nosso manifesto, que está
sendo propagado em todo o Brasil, através do endereço www.manifestoartistasmossoro.blogspot.com.br.
A leitura simples já esclarece muita coisa, pois no manifesto expomos o
que queremos e o que não queremos em todos os planos (municipal,
estadual e federal).
DA – Somos a favor da escola. Nunca fomos contra.
Mas sabemos que foi pego uma escola comum, dado uma mão de tinta,
deixado bonitinha para impressionar, mas ela não passa da velha Escola
Municipal que existia por lá. A Prefeitura de Mossoró deveria encarar a
cultura com seriedade e parar de fazer remendo. Essa escola não dispõe
dos equipamentos necessários para funcionar como Escola de Artes. O povo
vê aquela gritaria que fizeram, com direito a discurso de Stênio Garcia
(que merece todo o nosso respeito, mas que veio com cachê pago) e fica
achando a coisa mais bonita do mundo o que temos por lá. Você é
jornalista e sabe o que é necessário para que o seu jornal seja impresso
(pauta, repórter, redação, correção, diagramação, e por aí vai até a
impressão e distribuição). Eu como artista sei o que se precisa ter para
uma sala de teatro, para uma sala de música, para uma sala de dança. E
nessa escola falta muita coisa. Dizer que não vai funcionar eu não sou
besta de dizer isso, pois lá tem pessoas preparadas que sabem tirar
leite de pedras, como sempre fizeram em seus grupos artísticos. Mas os
artistas de Mossoró se acostumaram a receber coisas pela metade. O pior é
que para completar depois, perde-se o argumento, pois o leigo não
entenderá sobre o que estamos falando, e apontará sempre como o povo que
'reclama de barriga cheia'.
DA – Nosso patrimônio histórico está sendo
destruído. A história de Mossoró está sendo derrubada pela ignorância de
nossos gestores e de nossa Câmara Municipal, que não grita. Os
vereadores, como representantes do povo, também deveriam impedir,
independente de partido ou tendência. Quantos prédios históricos foram
derrubados para nada. No centro de Mossoró, havia o famoso castelinho,
que foi derrubado para nada, pois é o que tem no lugar onde ele estava:
nada, um terreno vazio. O antigo Grande Hotel, o Cine Caiçara e tantos
outros que a cada semana se apagam de nossa vista. A capela do Bom Jesus
está se destruindo, nossa ponte de ferro que poderia ser roteiro
turístico. Como é que uma cidade que teve pretensão de ser capital da
cultura faz isso com sua história arquitetônica? Nós temos aqui perto
Aracati, no Ceará, que manteve a sua arquitetura através de tombamento, e
já são inúmeros filmes que foram rodados por lá, devido à sua
arquitetura antiga. Se continuarmos nesta ignorância, destruindo nosso
patrimônio, vai nos restar apenas a Cidadela do Mossoró Cidade Junina.
OM – Mossoró tem um dos melhores teatros do Norte/Nordeste, que é o Dix-huit Rosado. Esse equipamento é bem utilizado?
DA –
O Teatro Dix-huit Rosado tem uma programação regular, e isso é bom. Mas
digo que o artista mossoroense ainda não ocupou aquele espaço como
deveria. O Teatro Municipal Dix-huit Rosado, como o Teatro Estadual
Lauro Monte Filho e os demais equipamentos públicos, deveria ser
entregue aos artistas, para que estes pudessem ocupar e desenvolver de
forma plena as suas ações. Não se trata de você pegar um dia ou outro no
teatro e fazer uma apresentação. Me refiro a ocupação, a salas sendo
utilizadas pelos grupos, camarins que pudessem se tornar também espaços
de experimentação cênica. Que tivéssemos ações de formação de plateia, e
não o que acontece hoje. O Teatro Dix-huit Rosado existe há anos e
mesmo assim aquele teatro ainda não tem um público cativo como tem os
grandes teatros do Brasil. Em São Paulo e Rio de Janeiro nós temos
públicos para aqueles teatros. Você vai a determinado teatro porque sabe
que ali tem boas peças. Aqui em Mossoró, a pauta é praticamente toda
empregada em espetáculos imbecis, que nada acrescentam para Mossoró, a
não ser imprimir a falta de educação e o péssimo gosto teatral. No
Teatro Dix-huit, com algumas exceções, temos público para artistas da
Globo ou besteiras que vivem o seu momento de fama. Teatro é diferente.
Quando vamos apresentar uma de nossas peças em algum espaço em São Paulo
ou no Rio de Janeiro passamos por uma seleção. Aqui em Mossoró qualquer
besta vindo daquele eixo ocupa a pauta para exibir bestialidades. A
direção do Teatro Dix-huit deveria tratar o povo de Mossoró com mais
carinho, selecionando os espetáculos que ali são apresentados, através
de edital mesmo. Em todos os espaços são assim, menos em Mossoró. Um
tempo desse inventaram um projeto para os 'artistas da terra' intitulado
terça nossa (acho que era assim o nome), onde os grupos de Mossoró
recebiam as pautas livres para apresentar seus espetáculos. Aí eu
pergunto: por que não fizeram isso no sábado. Este teatro é nosso e a
prioridade deve ser a nossa. Mas infelizmente o artista de Mossoró tem
se acostumado a se alimentar das sobras que caem da mesa, e não por
completo, sentado à mesa, que não percebe que é dele o lugar.
OM – Para finalizar, o que o próximo prefeito ou prefeita de
Mossoró precisa fazer para elevar a cultura local ao patamar que merece?
DA
– A primeira coisa que deve fazer é estabelecer diálogo, ouvir o que
queremos e se esforçar para atender as reivindicações. Ter uma equipe
preparada para receber críticas também, e não achar que é pessoal o
simples fato de algum artista discordar. Isso já é um grande passo.
Dessa forma, será possível saber que precisamos priorizar investimentos
nos artistas e grupos; que precisamos ocupar todos os espaços públicos
que a arte possa ter acesso; que precisamos que o acesso aos recursos
públicos seja através de edital; que precisamos tratar os pagamentos dos
artistas mossoroenses da mesma forma que tratam as bandas que vêm tocar
no Cidade Junina (elas não esperam cinco meses para receber); que
precisamos aumentar e garantir os recursos do Prêmio Fomento anualmente;
que precisamos de editais para escolha dos diretores dos autos
mossoroenses; que precisamos fazer investimentos nos bairros de Mossoró,
construindo equipamentos que nesta gestão foram construindo apenas na
avenida Rio Branco. A cultura de Mossoró não deve ser num corredor, mas
no município inteiro. Ampla, e não restrita.
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