segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
A VOZ E O GESTO DE DE PAPINIANO CARLOS - Poeta Português
A voz e o gesto de Papiniano Carlos colocam-nos desde o primeiro contacto com a sua pessoa perante uma personalidade muito apreciável. Um misto de modéstia e de firmeza clamam perante nós que há um Homem em nossa frente que nos quer ouvir e nos quer falar, dar e receber o que de melhor houver no ser complexo que cada um de nós constitui e ali está presente.
Quando em 1958 obtive o seu livro de poemas Caminhemos Serenos não pude deixar de sorrir perante o título: onde um casamento mais perfeito entre a epígrafe de um livro e o seu autor? E pensei: se me propusessem a adivinha, mostrando-me a capa e ocultando-me em cima o nome do escritor, «Quem é ele?», perguntavam-me, e se principalmente no Porto nos encontrássemos, creio ainda hoje que não podia deixar de acertar: «Papiniano Carlos, pois quem mais poderá ser?»
Mas, atenção!, serenidade em Papiniano não rima com forçada calma; e muito menos com indiferença. Abro, para matar saudades, aquele velho livro e à sorte sai-me o poema:
INSCRIÇÃO
Aqueles que para vencer-te pulverizaram
tua carne teu último reduto grita-lhes
que no centro do último átomo resistes
esperas a primavera
RETRATO
Eis a montanha brava
mai-la sua face mansa:
É no fundo que dormem
as torrentes de lava:
Violado, mísero homem,
em ti próprio guardas
tua cólera, tua esperança.
CAMINHEMOS SERENOS
(Para Julius e Ethel Rosemberg)
Sob as estrelas, sob as bombas,
sob os turvos ódios e injustiças,
no frio corredor de lâminas eriçadas,
no meio do sangue, das lágrimas,
caminhemos serenos.
De mãos dadas,
através da última das ignomínias,
sob o negro mar da iniquidade,
caminhemos serenos.
Sob a fúria dos ventos desumanos,
sob a treva e os furacões de fogo
dos que nem com a morte podem vencer-nos,
caminhemos serenos.
O que nos leva é indestrutível,
a luz que nos guia connosco vai.
E já que o cárcere é pequeno
para o sonho prisioneiro,
já que o cárcere não basta
para a ave inviolável,
que temer, ó minha querida?:
caminhemos serenos.
No pavor da floresta gelada,
através das torturas, através da morte,
em busca do país da aurora,
de mãos dadas, querida, de mãos dadas, caminhemos serenos.
In «Caminhemos Serenos» - 1958
Jornal Avante! – em 10/1/2013
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