quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Diário de um ativista


Foto: Mário Bittencourt
Era final de tarde do dia 10 de dezembro de 2009 em Havana. O cineasta Dado Galvão chega ao hotel “escoltado” pelo movimento Damas de Branco, grupo de mulheres que faz oposição ao regime ditatorial dos Castro. Na recepção, entregam-lhe um bilhete, solicitando sua apresentação ao Centro Internacional de Imprensa.

Dado estava em Havana para participar de um festival de cinema. Iria apresentar o seu filme “A Grande Moeda” (Brasil, 2008), que tratava do trabalho dos voluntários da Pastoral da Criança e contou com a participação de Zilda Arns, morta em 2010 durante um terremoto no Haiti. Aproveitou a oportunidade para executar um novo projeto: “Conexão Cuba Honduras”, que será exibido na cidade de Feira de Santana, na próxima segunda-feira, 18.

Mas ele tinha que comparecer ao Centro de Imprensa assim que chegasse em Cuba. Não o fez, pensando nas limitações que iriam impor ao seu trabalho. E os recursos já eram escassos. Tinha R$ 600 no bolso, para passar duas semanas em Cuba e uma semana em Honduras. A câmera foi emprestada pelo setor de audiovisual da prefeitura de Jequié, onde trabalha e vive.

Dado já havia conversado com Yoani Sánchez, a blogueira cubana que faz oposição ao regime político de seu País. Tinha restrições para filmar em praça pública, mas, quando viu o movimento Damas de Branco passar à sua frente, não pensou duas vezes. Sacou a câmera e acompanhou o grupo. Ao final, quando já ia voltar para o hotel, elas alertaram: “Não vá agora. Espere um pouco, pois acompanharemos você”.

“Pensei que fosse um pouco de exagero por parte delas, mas esperei. Ao chegar no hotel, recebi o bilhete”, lembra. Dado foi ao Centro Internacional de Imprensa e disse que apenas ouviu. Teve poucas oportunidades para falar. Tinha medo que levassem o equipamento e mais receio ainda de ser preso. Mas o que amenizou a sua situação foi o fato de ter sido convidado para participar do festival de cinema. “Como tinha o crachá, ele não pôde fazer muita coisa. Apenas disse que iria mandar uma carta de repúdio à instituição que fez o convite”.

Bilhete solicitando comparecimento de Dado
ao Centro de Imprensa

Para evitar mais problemas, Dado solicitou imagens de arquivos aos seus contatos em Cuba, inclusive a Yoani. Partiu para Honduras, onde a situação seria ainda mais problemática. Há poucos meses, a população acompanhava o golpe militar que prendeu o então presidente Manuel Zelaya. “O hotel que fiquei estava deserto. O País estava em estado de sítio”, conta.

Canal 36

O que chamou a atenção de Dado em Honduras foi o fechamento do Canal 36. Sua fonte era o diretor do programa Así se Informa, Esdras Amado López. Em Honduras, fazia imagens da embaixada brasileira, rodeada por militares. Ele se abaixou para pegar um plano específico. Ao se levantar, já havia militares na sua cola.

Pediram passaporte, interrogaram-no. “Disse que tinha o visto de jornalista e podia fazer o que estava fazendo”. Nesse momento, passou um carro da Unicef, que levava mantimentos para a embaixada do Brasil. Foi a chance que Dado teve para colocar a câmera de volta na mochila e esperar a devolução de seu passaporte.

Essa é apenas parte da jornada encarada por Dado Galvão para concretizar o filme “Conexão Cuba Honduras”. Mais do que um retrato de um contexto a partir de personagens envolvidos no filme, o diretor buscou levantar a discussão acerca da liberdade de pensamento. “Não entro no mérito político ou no que é melhor ou pior. Quero apenas contribuir para a discussão da liberdade de expressão, de as pessoas serem livres para optar por um lado ou outro e também para criticar aquilo que discordam”.

O debate é universal, conforme colocou o próprio cineasta. “Vivemos o cerceamento da liberdade em diferentes contextos, inclusive no Brasil contemporâneo. Na minha cidade, existem três rádios comerciais. As comunitárias são ligadas à igreja e não tratam dos problemas do município. Não existe uma liberdade total. Mas, em países com regimes ditatoriais, isso fica mais evidente”.

Exibição

A luta para exibir o filme também foi um capítulo a parte. Além do impedimento por parte dos governos cubano e hondurenho para liberar, respectivamente, Yoani Sánchez e Esdras Amado López, faltou espaço para a projeção. Como Amado López conseguiu a liberação antes, no dia 21 de abril de 2012, Dado fez uma primeira exibição em Jequié.

A segunda, já com a presença de Yoani confirmada, seria realizada em Vitória da Conquista, cidade próxima à Jequié. Mas, há poucas semanas do evento, a prefeitura retirou o apoio. “As justificativas eram as de sempre: ajuste fiscal de início de ano. Outras pessoas falaram que o problema era o impacto negativo no bom relacionamento entre Cuba e Bahia”, revela Dado.

A exibição foi transferida então para Feira de Santana. Não entramos no âmbito das dificuldades para trazer Yoani. “Conseguimos recursos, através de doações, para pagar passagem e hospedagem. A questão do passaporte era outro problema”, conta o cineasta.

Entre promessas de apoio político descumpridas, Dado encontrou o comprometimento do senador Eduardo Suplicy, depois de enviar inúmeros e-mails para o Senado, sendo ele o único a responder e acompanhar de perto o processo, intercedendo, inclusive, junto à presidente Dilma Roussef. O senador confirmou presença na exibição do filme em Feira de Santana.

“Ao longo dessa jornada, acabei atuando mais como ativista do que como cineasta”, afirma Dado. Como o próprio declarou, o debate do filme é muito mais amplo do que um simples retrato de um determinado contexto político. Nesse aspecto, o audiovisual aparece, mais uma vez, como um instrumento de provocação, reflexão e mudança.

Cinema de guerrilha

Dado entra no hall daqueles cineastas que mostram: fazer cinema depende de vontade. Recursos e equipamentos devem ser consequências dessa vontade. Com R$ 600, ele realizou um filme que colocará Feira de Santana, a porta do sertão baiano, nos holofotes de um importante debate, contando com a presença de uma personagem em evidência, a blogueira Yoani Sánchez.

Yoani faz oposição ao governo através do seu blog Geração Y. Mais uma vez, o debate não está em torno do certo e errado, mas, sim, da liberdade. “Acredito no poder de transformação do audiovisual e espero que esse filme possa fomentar o debate nas mais diferentes esferas”, disse Dado.

A conversa encerrada após quase uma hora e meia revelou um cara tranquilo, mas determinado e comprometido naquilo que faz. “Conexão Cuba Honduras” é um filme de um cineasta de Jequié, feito na base da guerrilha, mas que vem alcançando uma repercussão de dimensões internacionais, indo além de seu papel enquanto produto audiovisual. Tornou-se um instrumento de debate acerca da liberdade de expressão. E, com certeza, há muito mais o que falar, além do que está aqui escrito.

Serviço:
Exibição do filme “Conexão Cuba Honduras”
Onde: Museu Parque do Saber, Feira de Santana - Bahia
Quando: 18 de fevereiro, às 19h
Entrada franca
Mais informações: www.dadogalvao.org 

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