sexta-feira, 17 de maio de 2013



CARTA DE UM CONTRATADO 


 Eu queria escrever-te uma carta 
amor,
uma carta que dissesse
deste anseio 
de te ver
deste receio
de te perder
deste mais bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...

Eu queria escrever-te uma carta 
amor,
uma carta de confidências íntimas
uma carta de lembranças de ti
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...

Eu queria escrever-te uma carta 
amor
que recordasse nossos tempos a capopa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura 
da nossa paixão
e a amargura da nossa separação...

Eu queria escrever-te uma carta
amor
que não lesses sem suspirar
que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kieza
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo o Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento...

Eu queria escrever-te uma carta
amor
uma carta que ta levasse o vento que passa
uma carta que os cajús e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que o vento a perdesse no caminho
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levassem puras e quentes
as palavras ardentes
as palabras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor...

Mas ah meu amor, eu não sei comprender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu -Oh! Desespero!- não sei escrever também.

António Jacinto

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