terça-feira, 21 de maio de 2013

UMA FAMÍLIA CHAMADA RIBEIRA



  






  Ciro José Tavares
 Poeta, Advogado e Escritor

 UMA FAMÍLIA CHAMADA RIBEIRA IV
                                   

                        Os acontecimentos e histórias da Ribeira são muitos e um único livro não poderia contá-los. Por ter nascido na Rua do Comercio, atual Rua Chile, meu pai foi, ao mesmo tempo, personagem e testemunha de inúmeros fatos ocorridos. Formado em Medicina, no Rio de Janeiro, em 1926,recusou e resistiu a excelentes convites para permanecer na então Capital do país. Voltou à Natal e menino que conhecera a poesia das ruas estreitas e quietas, a solidariedade da gente habitando casas geminadas parecendo uma só família,não abandonou sua origem canguleira.Veio para morar na Rua Frei Miguelinho ,na mesma casa humilde de pouquíssimas alegrias e muitas tristezas, para estoicamente conviver com as lembranças do irmão, Cyro, devorado pela tuberculose aos 21 anos,  da irmã,Josefa,  vítima de brutal insuficiência respiratória em decorrência da asma alérgica. O consultório montou com a ajuda dos amigos. Dona Maria Farache, mãe dos amigos inseparáveis, Carlos, Antônio, Ernani e Adalberto, cedeu-lhe a sala principal de sua residência e o médico Otávio Gouveia Varela, que estava se afastando da clínica, os móveis e materiais da profissão que já não lhe seriam úteis. Algum tempo depois, quando fixou sua residência numa casa de dois pavimentos, alugada ao Dr. Januário Cicco, na Avenida Rio Branco, esquina com Juvino Barreto, passou a atender seus clientes na casa da Rua Frei Miguelinho e daí só saiu quando teve que assumir outros desafios profissionais.
            É necessário contar tudo isso para mostrar o espírito que perdurava na Ribeira e a valentia dos homens que nasceram, viveram e ali trabalharam.. Meu pai é apenas um exemplo, entre outros que destacaremos ao longo dessas. Linhas. O médico Onofre Lopes, fundador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, vindo do interior para a Capital, num pronunciamento feito na Academia de Letras, da qual foi membro e Presidente revelou que ,também  mourejou no bairro, empregado no comércio, primeiro na Casa de Ferragem de Francisco R. Viana, na Rua Dr. Barata, e, depois, no armazém de estivas de M. Rocha, na Rua Chile.São poucos os que sabem disso. A Ribeira gerou homens de aço que a deixaram para fazer história. A Ribeira jamais irá esquecê-los, ainda que seja esquecida e abandonada

 UMA FAMÍLIA HAMADA RIBEIRA V
                                   Ciro José Tavares
                        Escrevendo sobre sua pessoa na Ribeira, o Dr. Onofre Lopes deixa que suas palavras sejam permeadas por lembranças emocionantes.
“Eu procurava caminho na nebulosa, e, aos tropeços, meio ambição, meio confiança, todo esperança, vagueava pelas salas de aula noturna do Dr. João batista, do Mestre Ivo Filho, do professor João Tibúrcio depois, bem mais tarde, também nas bancas de exame do Ateneu. Ouvia falar das vitórias dos que estudavam, dos anéis vistosos de quem se formava, da importância social, da elegância no vestir daqueles que vinham das Faculdades. Era, também, o tempo em que outros estímulos me excitavam: pessoas humildes, puras e boas, habituais das “vendas” dos meus irmãos João e Pedro Lopes, onde eu vivia e sonhava, contavam com exagero os milagres da inteligência de Rui Barbosa, recitavam Fagundes Varela, Olavo Bilac, Álvares de Azevedo, Castro Alves. E, para maior motivação, via o Bacharel kerginaldo Cavalcanti, inteligente, bem trajado, de passos largos e resolutos, espargindo vitórias, fazendo discursos floridos de estrelas...”
Nas suas recordações aborda um episódio que se refere ao seu futuro colega e grande amigo: “Sei que, como adolescente ambicioso, fiquei cheio de inveja; Viram? Hoje houve um exame de Francês que assombrou! É só no que se fala!... Foi um estudante, José Tavares, que fez exame todo tempo falando em Francês! Cabra danado de inteligente!... Formidável, todo o exame em Francês!” Depois disso não mais ouviu falar do meu pai. Conheceram-se em 1933, quando formado em Medicina, também no Rio de Janeiro o Dr. Onofre regressou à Natal e tornaram-se amigos inseparáveis.
Lembra ainda os primeiros momentos e os nomes que pontificavam na Medicina do Rio Grande do norte, Varela Santiago, Otávio Varela, Ricardo Barreto, Ernesto Fonseca, e a figura central de Januário Cicco, que nascido em São José de Mipibu e formado na Bahia, adotou a Ribeira como sua segunda terra natal e se transformou num dos canguleiros mais ilustres. Juntos, Januário Cicco, Onofre Lopes, José Tavares, Luís Antonio Ernesto Fonseca, Otávio Varela e Aderbal de Figueiredo constituíam o corpo clínico do Hospital juvino Barreto depois chamado Miguel Couto e, finalmente, numa justíssima homenagem, Onofre Lopes.
A Ribeira precisa renascer para honrar a memória desses homens. A cidade e o Estado, por extensão, devem tudo à Ribeira, A Ribeira do tempo da cidade de pouco barulho, quase sem luz, ruas arenosas e noites encantadas Por doces serenatas.

UMA FAMILIA CHAMADA RIBEIRA VI

                                   Ciro José Tavares

Mais uma vez, montado no meu Rocinante, retomo minhas andanças até chegar às margens do Rio Potengi e, como Siegfried no seu cavalo Grane, soprar minha trompa imaginária e despertar dos deuses e ninfas adormecidos no leito da corrente minhas lembranças da Ribeira. Não me incomoda que pensem alguns ser quixotesca esta luta, para devolver a vida ao bairro amado. Aqueles que assim raciocinam não a conheceram no seu fausto e os homens que ali nasceram, viveram e construíram o futuro da cidade. Este cheiro de saudade impregnado no me corpo é o que me empurra para frente como se eu estivesse sendo movido por impulsos elétricos permanentes.
Criança fui consumidor dos brinquedos da loja Quatro e Quatrocentos, na Rua Frei Miguelinho, até que um incêndio a destruiu impiedosamente. Minhas lágrimas derramadas com ódio do fogo infelizmente não puderam apagá-lo. O vento levou as cinzas e os brinquedos, como as pombas da infância do poeta Paulo Mendes Campos não voltaram nunca mais. O inesquecível pianista Oriano de Almeida falou-me muitas vezes da Ribeira carinhosamente e sua composição Canção para Natal, em parceria com Waldemar Henrique, termina poeticamente com o verso “coqueiros namoram as velas brancas no rio.” Oriano nasceu em Belém, capital do Pará, mas menino veio para Natal, foi batizado na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação e fincou raízes. Seu primo, Waldemar de Almeida, recém-chegado da Alemanha, anteviu seu enorme potencial durante breve execução de algumas peças ao piano e decidiu conduzi-lo seriamente ao universo da música. Estudou na Ribeira, no Instituto de Música do Rio Grande do Norte e foi aluno do mestre Câmara Cascudo que lecionava História da Música. Tendo passado a maior parte de sua vida viajando para concertos nos países mais diferentes, nunca deixou de voltar à Natal,para  visitar o padrinho, maestro Waldemar de Almeida, seu antigo mestre, o amigo Veríssimo de Melo e saber notícias do cirurgião José Tavares que o libertou de um grave problema no pé.
A pouca importância dada à Ribeira, que foi historicamente gênese social, política e empresarial do Rio Grande do norte, leva muitas pessoas ao desconhecimento dos fatos acontecidos, do valor dos habitantes, nascidos e criados e que dali saíram para conquistar seus espaços mundo afora. Tomaso Babinni, um violoncelista italiano que, ao lado do maestro Waldemar de Almeida e do mestre Câmara Cascudo, ensinava no Instituto de Música, chegou ao consultório do Dr. José Tavares com um relato preocupante. Casado com uma potiguar, seu enteado era brilhante aluno de violoncelo. Jovem imprevidente quis um dia fazer o que não era do seu feitio: Subir numa mangueira para colher as frutas maduras. O galho em que se apoiava não resistiu e ele despencou. Na queda, fratura no braço direito e uma carreira promissora de músico posta em risco. Coube ao Dr. Januário Cicco, que era o médico da família, a urgência. Redução feita, o moço ficou afastado do violoncelo. Quando voltou à atividade, queixava-se de dores, confessando a dificuldade de tocar seu instrumento. Foi então que o padrasto decidiu ouvir a opinião do outro médico e o diagnóstico alarmente. A fratura não fora bem reduzida. Fazia sentido, o Dr. Januário era otorrino. Tem solução? Sim, quebramos o braço uma segunda vez e colocamos o osso no lugar. A família concordou, o Dr. Januário ficou uma fera e o novo ato médico  realizado.Curado, voltou aos estudos. Tendo aprendido no Instituto tudo quanto lhe podiam ensinar, deixou Natal e sua Ribeira. Assim como o amigo e colega Oriano de Almeida, Aldo Parisot conquistou com o violoncelo as plateias do mundo e tornou-se maestro consagrado em Nova York. 

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