sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Carta a Valdirene


(*) Rinaldo Barros
Professor e escritor
Valdirene,

Sei que você não sabe ler direito e, se aprendeu, não gosta muito de ler, até porque a escola que você freqüentou nunca incentivou o hábito em seus primeiros anos de vida. Mas, quero que saiba que existe um livro chamado “Escuta Zé Ninguém” de Wilhelm Reich (1896 a 1957), um psicanalista austríaco-americano, discípulo dissidente de Sigmund Freud. Você deveria lê-lo.
O livro é, na verdade, um apelo ao inconformismo, uma reflexão sobre o poder de cada Zé/maria-ninguém, isto é, de cada anônimo (como você, Valdirene) a nada poder, e ter direito apenas a obedecer e conformar-se; mas que, potencialmente, tem o poder de revoltar-se e mudar o caminho da sua era. Se você, um dia, acordar...
A verdade, Valdirene, é que estamos todos embrenhados apenas no nosso umbigo e na crença de que tudo o que não nos toca diretamente, não nos diz respeito. É que a maioria de nós se conforma, e só uma pequena minoria se manifesta para combater o sistema vigente, por mais inumano que seja.
E por mais que nos custe, no nosso sentido moral de quem vive numa democracia e sem medo, convictos de que nos teriam horrorizado os campos de concentração nazista e os assassinatos em massa, a verdade crua é que maioria de nós teria compactuado com o regime autoritário que todos nós hoje dizemos condenar.
Compactuaríamos, sim, por conformismo ou por medo, sem questionar.
E isto porque a maioria de nós, no fundo, ainda se acha apenas um Zé/maria-ninguém, sem importância, sem relevância numérica, e por isso prezando o conforto da segurança pessoal acima de tudo, achando que a revolta e miséria individuais não mudarão nada, e que por isso não vale a pena lutar; e, com medo, escolhe ficar quietinho, escondido no conforto do lar, sem fazer movimento, pra não chamar a atenção dos poderosos.
Todavia, Reich ensinou que cada um de nós tem responsabilidade, sim, pelo que se passa à nossa volta e no mundo, e as maiores revoluções foram feita por conjuntos de zes/marias-ninguém, que sozinhos não eram nada, mas que, em conjunto, foram conseguindo mudar as suas realidades, como surpreendentemente se tem visto em alguns países, árabes e europeus, ultimamente. E que, até aqui no patropi, já é possível perceber o seu embrião.
Basta ter coragem para fazer sempre o que achamos certo, mesmo quando parecer que estamos sós.
Sei que você, Valdirene, não foi educada para ter coragem. Por isso, você escolhe permanecer com a vidinha que já conhece, ainda que não goste dela.
A explicação é que, apesar de manter-se fiel às “suas convicções”, as propostas que representam o futuro a ser construído com Desenvolvimento e Paz, representam igualmente o inusitado. São - ao mesmo tempo - inovadoras e assustadoras, exatamente por serem transformadoras. No fundo, Valdirene, você é uma conservadora.
E ainda mais, Valdirene, você não gosta muito de pensar sobre a crueza da realidade, prefere fugir para a ficção das novelas e outros apelos guiados pelo besteirol. Quanto mais vazios, melhor.
Essa fuga faz com que você não perceba as verdadeiras causas dos crônicos problemas da maioria do povo.
Senão vejamos um exemplo. O Estatuto da Cidade - uma lei que não pegou no Brasil - obriga a todos os municípios com mais de 20 mil habitantes a construir um Plano Diretor e a realizar estudos geotécnicos que definam com clareza quais são as áreas de risco e quais as áreas de interesse social, para o devido uso e ocupação do solo urbano. Todavia, apenas alguns poucos municípios construíram o seu Plano Diretor.
O governo federal e as administrações municipais, de ontem de hoje, foram irresponsáveis e não cumpriram a legislação em vigor!
Na verdade, ao lado dessa brutal ausência de responsabilidade para com o interesse público, é possível constatar – atanazando a vida do brasileiro – obras inacabadas, muita corrupção, estradas esburacadas, aeroportos sucateados, trânsito infernal, saúde pública caótica, juventude sem educação e sem rumo, drogas e álcool minando a vida de milhões, insegurança e criminalidade crescentes.
A pior tragédia, entretanto, é que você, Valdirene, em seu desamparo, não consegue sequer perceber que foi e está sendo enganada e explorada em todas as dimensões de sua vida, através da propaganda política bem feita, desviando sua mente para um mundo de fantasia inatingível. Mentiras mil vezes repetidas.
Resumo da ópera: pela incapacidade de demonstrar indignação, pela sua ignorância bíblica, por não ter sequer voz para gritar sua miserável condição; contraditoriamente você, Valdirene, continua aprovando o governo do PT, como se ainda fosse o mesmo partido que fazia oposição (você não percebe que o PT agora é aliado dos ricos e poderosos, que engana você com bolsas e cotas) e, pior Valdirene, você acredita que a miséria e as calamidades são obra do destino ou da vontade de Deus.
A culpa não é de Deus nem da Natureza, Valdirene, mas da ausência de planejamento e da criminosa falta de vontade política efetivamente voltada para a construção da dignidade do povo brasileiro.
Valdirene, eu lhe entendo. Não é que você não deseje a mudança, você a quer. Mas, você tem medo Valdirene, porque você foi “educada” para não assumir responsabilidades, você foi feita para se conformar.
Escuta Valdirene, tenho observado que você, aos poucos, sutilmente, está começando a deixar de ser besta.
Será?

 (*) Rinaldo Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com


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