“O problema do Japão é que eles só pensam em educação e
saúde...” (Luiz Inácio Lula da Silva)
(*) Rinaldo Barros
Além de perceber a falta de competitividade para com os
alemães, a humilhante derrota na Copa do Mundo abre a caixa preta da nossa
sociedade.
Explico: em relação à Copa, montamos um cenário de ilusão,
surreal. Nossa expectativa era que a Seleção brasileira representasse a força e
as virtudes, a valentia, a habilidade, a criatividade, a beleza que nós não
temos em outros espaços sociais. Era uma espécie de compensação, de fuga, com
base no pensamento mágico. E transferimos para a Seleção uma espécie de
expectativa de solução para questões que não estamos conseguindo resolver
cotidianamente. Foi cruel para com os nossos jogadores.
A questão é que, aqui no patropi, a maioria acredita que
basta ter força de vontade, no campo de futebol ou na sociedade. Acreditamos
que existem soluções mágicas, sem planejamento, sem disciplina, sem dedicação e
perseverança, sem estudo de qualidade e sem muito trabalho. Basta ter fé.
Bastava cantar o hino à capela, abraçados; já estávamos com
a mão na taça do Hexa.
Isso é muito grave. A gente vai ter que aprender e mudar com
o que aconteceu na Copa.
Espero que assimilem bem a lição dada pelos alemães: o
Brasil não é mais o país do futebol, já foi. O Brasil hoje é o país da
corrupção generalizada, da violência crescente e da saúde precária. A realidade
é essa.
O resultado da Copa dentro do campo vai influenciar a
eleição? Já interferiu, desde que as obras começaram atrasadas. Já desidratou o
apoio à Dilma. Ela perdeu mais de 30% de apoio num ano.
No momento em que escrevo, a tendência é que a Dilma cairá
mais nas pesquisas. Essa humilhação sofrida pela Seleção inflou ainda mais o
balão da insatisfação popular, já cheio com tantos problemas, desde o cansaço
diário com o transporte público, obras inacabadas, insegurança, hospitais
lotados, inflação, desemprego, entre tantos outros; e a depressão pós-Copa
precisa ser “descarregada”, e isso ocorrerá, direta ou indiretamente.
Até porque um dos “defeitos” do nosso comportamento é
procurar jogar a culpa pelos fracassos para cima de alguém. A primeira vítima
foi o Felipão. E a próxima deve ser a Dilma que, claro, aposta na capacidade do
brasileiro de separar o que ela mesma ensaiou juntar. “É Tois”. Lembram da
foto?
O que deu certo na Copa das Copas foi mérito dos empresários
(construtoras, hotéis, bares, restaurantes) e da hospitalidade natural do nosso
povo, que é capaz de rir de si próprio e de driblar dificuldades.
Agora, abrem-se as cortinas para a campanha eleitoral. É
outro jogo. Que não será contra a Alemanha, mas que vamos jogar contra nós
mesmo. Essa será a partida mais importante da nossa história recente.
O futebol demonstra ser mais que um jogo. O futebol caracteriza-se
pelo antagonismo da simplicidade com a complexidade do jogo, aonde seu
praticante permite que seu entusiasmo tome conta de sua racionalidade e que,
estatisticamente, é o esporte que mais possui resultados improváveis, as
chamadas “zebras”.
Por isso que, para muitos, o futebol se confunde com sua
própria vida.
Não pretendemos reduzir a prática do futebol à da política,
como se o primeiro fosse mero reflexo da segunda. Queremos apenas demonstrar
que há um equilíbrio tenso nessa relação. É histórico.
Marcados de maneira significativa pela presença de uma massa
de europeus que migravam desde o final do século XIX, os primeiros clubes de
futebol surgiram no Brasil no início do século XX.
Concentrados nas principais cidades brasileiras -
principalmente Rio e São Paulo - esses imigrantes contribuíram direta ou
indiretamente para a disseminação dos esportes em geral e para fundação de
clubes esportivos, em especial de futebol: Vasco, com os portugueses;
Palmeiras, com os italianos, etc.
O primeiro jogo da Seleção Brasileira aconteceu em 21 de
julho de 1914, contra o Exeter City da Inglaterra. São 100 anos de história, e
os resultados dentro do campo têm, sim, força de reverberar na política.
É possível perceber que há manifestações explícitas de
manipulação política do futebol, procurando usar a sua força emocional como
forma de dar legitimidade às ações políticas, no governo e na oposição.
Pra completar, ao longo da história, a intervenção dos
interesses comerciais das redes de televisão e das empresas patrocinadoras
passaram a submeter o esporte - os atletas, os clubes e a Seleção - aos
interesses do mercado; e isso tudo ainda é um capítulo a ser melhor investigado
e compreendido.
Por outro lado, a julgar pela lição desta Copa 2014, tudo
indica que o brilho individual do futebol-arte deve dar lugar à racionalidade,
à organização e ao planejamento, numa reforma profunda e dolorosa.
Resumo da ópera: É nesse contexto de dupla frustração que o
brasileiro sai da Copa do Mundo mais politizada de sua história, e terá pouco
tempo para curar as feridas.
Sem dúvida, buscará os “culpados” pelas três derrotas
recentes (2006, 2010 e 2014), na urna eleitoral.
(*)
Rinaldo Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com
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