(*) Rinaldo Barros
Andar sozinho pelas ruas à noite, parar no farol vermelho de
madrugada, ser abordado por estranhos, sair de casa com objetos de valor. O que
poderia ser definido como hábitos comuns se torna práticas de risco diante dos
atuais índices de violência.
A presença do medo da violência tem profundo impacto sobre a
vida social, cultural, econômica e política. Reduz a disposição das pessoas
para ações coletivas, aumentando a desconfiança entre elas.
O medo da violência tem ainda impacto sobre a política,
visto que se atribui aos governantes a maior parte da responsabilidade por sua
redução; entrando, assim, na agenda política, quer como bandeira em campanhas
eleitorais, quer como exigência da população - e pode ser manipulado para se
justificar a adoção de medidas arbitrárias, contanto que deem a “sensação de
segurança”.
Um dos grandes desafios que o medo da violência apresenta é
que, uma vez instalado em uma sociedade, ele não desaparece com a simples
melhora das estatísticas oficiais.
As estatísticas oficiais podem apresentar uma forte queda,
como ocorreu em São Paulo no caso dos homicídios (que teriam se reduzido à
metade do que eram em 2000), sem que o medo sofra uma redução semelhante. O
medo não é consequência só da experiência de ter sido vítima da violência, mas
também nos espaços onde há sinais de degradação, desordem, lixo e abandono; da
ausência do Estado, enfim.
O medo, combinado com a sensação de ausência de um poder
público capaz de prover segurança coletiva e com a impotência dos cidadãos
frente à criminalidade; estimula a adoção de estratégias individuais para
diminuir o risco. Vivemos, num clima do “salve-se quem puder”, com muito medo.
O medo da violência torna-se, desse modo, endêmico,
banalizando a vida e tornando o ato de viver apenas um instrumento de segurança
privada. De forma simultânea, as mortes violentas começam a se tornar
toleráveis, e não provocam mais indignação, e são até mesmo defendidas como
forma de redução das ameaças.
Cá no meu canto, fico assuntando se, de certa forma, não estamos
sendo induzidos a temer mais estórias fantasiosas do que fatos reais. Explico
com a seguinte tese.
Sentimos tantos medos, grande parte deles infundados, também
porque boa parte da mídia nos bombardeia diariamente com estórias
sensacionalistas publicadas para aumentar os índices de audiência. Os
estudiosos chamam essa tese de “teoria dos efeitos da mídia”.
De fato, a cobertura jornalística sensacionalista tem
efeitos marcantes na mente e no emocional dos leitores e espectadores: “deu no
jornal” tem a força de uma parábola evangélica.
A violência ocupa o espaço deixado pela fragmentação dos
valores sociais em uma sociedade em processo de mudanças profundas nas esferas
comportamentais e caminhando para um individualismo "selvagem" como
modo de vida, já que as normas e referências sociais não se encontram claras
para as novas gerações. A competição e o consumismo ocupam o lugar da
solidariedade.
Os valores que deveriam forjar a identidade dos indivíduos
estão pulverizados, parecem colocar-se de forma frágil e transitória, ampliando
a solidão de cada um de nós, e amplificando o imaginário social do outro como
concorrente, como estranho ou, pior, como inimigo.
Os contornos sociais de onde se visibilizam as interações
entre indivíduos para esse caráter banalizado da violência, expresso pela mídia
- forma o imaginário dos cidadãos, gera no conjunto da sociedade uma enorme
obsessão pelo medo. Estamos todos com muito medo.
A questão da segurança é vital para a vida social e até para
a consolidação da Democracia. Além disso, é preciso destacar que quase todas as
vítimas da violência urbana são jovens negros, pobres, moradores de favelas e
de periferias urbanas. O povo não deveria ser visto como inimigo da polícia.
Mas, ainda o é.
O Estado e sociedade precisam, isso sim, mostrar aos
criminosos potenciais que a vida após o crime é mais dura do que antes da sua
prática. O bandido é quem deveria ter medo de ser preso.
O sistema policial, penitenciário e judiciário precisa
urgentemente tornar-se mais visível; para reduzir a impunidade. O povo precisa
ser respeitado para aprender a respeitar e colaborar, sem ter medo da polícia.
Será necessário um reordenamento radical das atuais prioridades,
se realmente quisermos livrar o Brasil do fardo da pobreza, da violência e do
medo. E não estou certo se os responsáveis atuais pelos destinos do patropi
estão se dando conta das implicações e das consequências da violência na vida
pública brasileira.
Resumo da ópera: é possível enfrentar a questão do medo da
violência, com inteligência, devolvendo a polícia ao povo, despertando a
corresponsabilidade da sociedade civil e da imprensa, entendendo que a
criminalidade deve ser enfrentada, objetivamente, sem sensacionalismo e sem
medo.
(*) Rinaldo Barros é
professor – rb@opiniaopolitica.com
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