Tomislav R. Femenick – Historiador, da diretoria do IHGRN
Os árabes são povos
semitas, originários da região que hoje chamamos de península arábica,
habitando-a desde a segunda metade do II milênio a.C. Embora as inúmeras
diferenças que havia de grupos para grupos, tinham como ponto de identificação
comum a língua, apesar de existirem vários dialetos. Além dos beduínos,
pastores nômades, havia tribos sedentárias, dedicadas à agricultura. Andarilhos
por excelência, eles foram muito além de suas terras de origem. Os primeiros
registros da presença de árabes na Palestina datam de aproximadamente 1500 a
500 a.C., fato que enseja a teoria de que árabes e hebreus teriam uma origem
comum, seriam originários do mesmo tronco étnico e até familiar. Ismael, filho
de Abraão, seria o ancestral dos árabes; Isaac, irmão de Ismael, seria o
ancestral dos hebreus. A expansão árabe antecedeu Maomé e ao islamismo. Antes
da era cristã eles se espalharam pela Mesopotâmia, Síria, Palestina e Egito. No
início do século V a.C., o norte da Mesopotâmia já era uma terra árabe.
Os espaços geográficos de
origem e vida dos árabes sempre foram palco de lutas, guerras, conquistas e
colonização, com os vencedores impondo suas respectivas culturas. O oriente
próximo sempre foi cenário de longas e prolongadas lutas, desde que se tem
registro de sua história. Persas, gregos, macedônios e romanos estenderam suas
guerras de conquista até as terras árabes, que não ficaram imunes a essas
sucessivas ondas de invasores. Mais recentemente, ingleses e franceses
impuseram seu domínio a esse povo.
Entretanto, como povo
nômade e não arraigado às cidades, conseguiram manter alguns aspectos de sua
maneira peculiar de ser, de sua individualidade, sem grandes mutações.
A Religião
Antes de Maomé (Abulqasim
Mohamed ibn Abdala ibn Abd al-Mutalib ibn Hashim – nascido provavelmente em
570, e falecido em Medina, em 8 de junho de 632), na Arábia eram praticadas
várias religiões, entre elas o
cristianismo bizantino, o judaísmo e seitas politeístas de veneração de deuses
tribais. Eram adorados centenas de deuses. Foi
então que Maomé teria tido visões do arcanjo Gabriel, nas quais lhe teria sido
revelada a “religião verdadeira”, o
islamismo ou Islã, cujos crentes são chamados muçulmanos, “os que se submeteram” à vontade divina.
Quando Maomé iniciou suas pregações
monoteístas encontrou forte resistência, principalmente em Meca, na época já um
centro de peregrinação religiosa, pois o santuário da Caaba abrigava os deuses
de todas as tribos da península. Forçado a fugir para Medina em 622, dez anos
depois Maomé voltou à frente de um exército e ocupou a cidade. Quando ele
morreu, em 632, o islamismo já tinha se
expandido por toda a península arábica e pelo sul da Síria e os árabes
tinham um Estado que começa a se sedimentar política e estruturalmente.
Segundo o historiador Fernand Braudel (1989), “as origens imediatas do islã nos põem em presença de um homem, um
livro e de uma religião”. E a
propagação religiosa e política dos maometanos foi avassaladora. Em poucos
séculos cobriu uma área impensável, se medidos o contingente populacional e os
recursos de que dispunham inicialmente. Na própria península assumiram o poder
nas regiões que hoje formam a Arábia Saudita, Barein, Emirados Árabes Unidos,
Qatar, Kuwait, Omã e Iêmen, bem como outros Estados do Oriente Médio como a
Turquia, Chipre, Iraque, Irã, Sudão, Síria, Egito, Líbano, Israel e Jordânia,
além da Etiópia e da Eritréia. Mais para o leste, o Paquistão, Afeganistão,
Usbequistão, Turquestão, Casaquistão, o Turquestão chinês, Sind, Punjab e Ode,
estes três últimos na Índia. No norte da África a Líbia, Tunísia, Argélia e
Marrocos. No ocidente da Europa parte da Espanha e de Portugal, a Sicília e a
ilha de Malta. Nos Bálcãs e no oriente Europeu, a Grécia, Bulgária, Macedônia,
Sérvia, Bósnia e a Hungria. Os mares Mediterrâneo e Vermelho quase se
transformaram em mares islâmicos e as costas orientais do Oceano Índico eram
seus domínios. No processo de anexação política de outros povos, os árabes
cooptaram grande parte das populações conquistadas, fazendo-as assimilar a sua
língua, religião e cultura, ao mesmo tempo em que se apropriavam de vários
aspectos da cultura local.
Dissidências e Rixas
Entretanto nunca houve uma
unidade religiosa e, muito menos, política. Os sunitas e os xiitas seguem
dogmas religiosos divergentes. Para os xiitas a herança islâmica pertence aos
descendentes de Ali, marido de Fátima, sobrinho e genro de Maomé. Por outros
motivos, os xiitas se dividem em duodécimos,
zaiditas e ismaelitas; estes subdivididos em carmatas e fatímidas. Já os
sunitas são seguidores de All-Abbas, tio de Maomé, e acreditam que a autoridade
espiritual pertence à comunidade como um todo e se subdividem em hanafitas,
malequitas, chafeitas e hambanitas. “A
igreja xiita, assim, era uma igreja de autoridade, ao contrário da Igreja
sunita, que é uma igreja de consenso” (MOUSNIER, 1995). Os sunitas e
xiitas têm período de convivência relativamente pacífica, porém o normal é uma
acentuada rivalidade que, amiúde, resulta em lutas e guerras fratricidas. Há
outras dissidências, tanto sunitas como xiitas, bem como outras divisões do
islamismo, entre elas, os zeiitas, hanafitas, malequitas, chafeitas, bahais, drusos
e hambaditas.
Do ponto de vista político
as lutas entre as várias facções sempre foi uma marca no mundo árabe. O segundo
e o terceiro sucessores de Maomé foram assassinados durante os seus governos,
quando a sede do califado ainda era em Medina. Califados diferentes pertenciam
a dinastias diversas e tinhas sedes em cidades diferentes. No califado de
Damasco, estava a dinastia omíada; no de Bagdá, a dinastia abássida; em
Córdoba, a dinastia omiada de Al-Andalus. Mais tarde, no Egito os mamelucos e na
Turquia os otomanos. Rebeliões, revoltas, lutas e guerras fazem a história do
mundo do Islã, com resultados de anexação e separação de territórios
conquistados.
A expansão
O norte da
África (Argélia, Líbia, Mauritânia,
Marrocos e Tunísia) foi conquistado pelos maometanos entre os anos de
647 e 700, abrindo rotas que ligavam as costas norte e leste ao interior e sul
da África. Antes dos árabes, no norte estavam os egípcios, os berberes e os
tuaregues, esses últimos formados por berberes nômades; no centro-sul, mais de
800 etnias negras. Os berberes conheciam os caminhos do deserto do Saara e por
eles mantinham contatos comerciais com os povos negros. Foi por meio dos
berberes que o islã alcançou alguns reinos negros. Já no século VII os árabes
ocupavam ou manobravam áreas estratégicas no orientes do continente negro.
Enquanto Dongola estava no primeiro caso, isto é, foi ocupada pelos árabes, os
dirigentes Núbios firmaram tratados que permitiam a presença muçulmana em suas
terras, resultando no surgimento de uma
série de feitorias árabes entre os territórios da atual Somália e de
Moçambique, o que facilitou a presença de pregadores e comerciantes
islâmicos em Madagascar, desde o século IX. Referindo-se à dilatação geográfica
do poderio islâmico na África Oriental, Denise Palmer (1977) diz que “os árabes encontraram a sua principal fonte
de enriquecimento na venda de escravos que os chefes negros do interior, com
quem tinham relações, capturavam por meio de razias”.
Foi nos anos de 710 e 713 que os árabes tomaram
posse de grande parte da península ibérica, onde permaneceram por
aproximadamente sete séculos. Nos primeiros trezentos anos era apenas a
província de Andaluz, a partir do século X a sede de um califado, com capital
em Córdoba e depois em Medinat-al-Zahra. Uma das características da ocupação
moura na península ibérica foi a convivência relativamente pacífica das
populações islamitas, católicas e judias, nas regiões ocupadas; fato que não
impedia as frequentes lutas entre os reis católicos e os “invasores hereges”,
com intervalos de paz e até de alianças conjunturais. A expulsão dos mulçumanos
da Espanha e Portugal foi concluída em 1492, com a recuperação do reino de
Granada.
Hoje é comum se referir
como árabes não os seus descendentes genéticos, mas sim todos os povos que
adotam a língua árabe ou o islamismo como religião oficial ou predominante, em
uma vasta área do planeta, que vai da Mauritânia, na costa atlântica da África,
ao sudoeste do Irã, abrangendo o norte da África, o Egito, o Sudão, a península
arábica, a Síria e o Iraque. Note-se que muitos desses países não adotaram a
língua árabe. A identidade religiosa dos povos árabes ou arabizados é tão forte
que hoje eles são, indistintamente, conhecidos como islamita, maometano,
muçulmano ou sarraceno.
A Jihad
O Jihad (ou Jiade) é um dos fundamentos do islã. Significa empenho na buscar
e conquista da fé perfeita. Tem dois
significados religiosos: a)
melhoria do individuo sob as leis do islamismo b) melhoria da humanidade, pelo esforço que os muçulmanos
para levar a religião islâmica para um maior número de pessoas. O Jihad pode
ser alcançado pelo
coração, purificando-se espiritualmente na luta contra o diabo; pela língua e
pelas mãos, difundindo palavras e comportamentos que defendam o que é bom e
corrijam o errado; ou pela espada, praticando a guerra física. Há interpretações
de que no O Alcorão – o livro sagrado do islamismo – existam mais de uma
centena de “revelações” de
caráter militar ou de guerra.
No passado recente, o
termo Jihad tomou uma conotação de “guerra santa” desde quando o Aiatolá
Khomeini assumiu o controle do Irã, depois de liderar uma revolução contra as ideias e modo de vida do
ocidente. De lá para cá outros movimento fundamentalistas têm acentuado esse
aspecto: Jihad Islâmica da
Palestina, Al-Qaeda (de Osama bin Laden), Taliban, Jihad Islâmica Egípcia, Irmandade Muçulmana etc., e mais recentemente o Estado Islâmico e Boko Haram.
Milhares de pessoas já
morreram ou mataram em nome de Alá no massacre nas Olimpíadas de Munique, no
ataque as torres gêmeas de New York, nos levantes da primavera árabe, nos
ataques no metrô de Madri, na Nigéria, no Afeganistão, no Paquistão no Iraque, na Síria e tantos outros lugares
e ocasiões. Em muitas desses atentados os alvos preferenciais era cristãos,
como denunciou o Papa Francisco durante
sua mensagem de Natal, em dezembro passado.
Será que tudo isso
era desejo do Profeta?
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Parte desta matéria foi extraída do
livro de autoria do professor Tomislav R. Femenick “Os Escravos: da escravidão antiga à escravidão moderna” (São Paulo:
Editora CenaUn, 2003).
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