POR FALAR EM ÍNDIO...Uma reflexão sobre a a história
A mente está fértil das leituras registradas na memória e o dia é
oportuno; e a junção destes dois fatos fazem incomodar-me o espírito,
especificamente com certos comentários escutados e lidos recentemente,
particularmente a respeito da luta das famílias Tapuias Paiacus do Apodi
pelo reconhecimento e pela reconstrução da identidade cultural.
Ora, tratar da história indígena no Brasil, por si só já é um fazer
complexo, não é aceitável em nenhum momento que se olhe os fatos de
forma superficial, e se saia por aí fazendo comentários que muitas vezes
somente têm base na ambição particular, no engodo partidário e
politiqueiro e na falta de conhecimentos reais da história, das
pesquisas mais recentes acerca da concepção que se deve ter do índio
neste século XXI.
O primeiro ponto que não se pode deixar nunca de considerar é que índio
brasileiro foi personagem antagônico da colonização europeia em nosso
território e sendo nativo, era também desprovido das evoluções
históricas da humanidade que já ocorriam em algumas comunidades da
Europa, além de também não saberem os reais motivos da chegada do povo
europeu por aqui, apesar de acharem estranho aquele homem branco,
diferente, vestido e com costumes totalmente inversos aos seus.
Mas, o que mais marcou na história dos nossos nativos foi a ausência da
paz que começou a reinar depois da chegada do português nos aldeamentos
brasileiros. Quem tiver dúvidas do que escrevo pode se embrenhar na
leitura do livro Índios no Brasil, organizado por Luís Donizete Benzi
Grupioni e que traz um conjunto de textos escritos por diversos
historiadores sobre esses personagens históricos e muitas outras obras
que tratam do assunto, incluindo-se neste conjunto estudos bem atuais,
de 2012, 2013 e 2014.
As revelações de massacres, da elaboração de ordens e decretos judiciais
em detrimento da ambição dominativa sentida e cultivada pelo
colonizador, dos episódios sanguinários e das atitudes de negação aos
direitos dos povos indígenas ao longo da história são fatos inegáveis
que registram o quanto este povo sofreu, teve que guerrilhar e muitos
morrerem lutando para terem o direito de permanecerem em seus locais de
habitação. A maioria não permaneceu, foi expulsa das terras e obrigada
até a mudar sobrenome, casar com brancos do grupo de colonizadores,
construir casas à moda portuguesa e ser escravizado culturalmente, como
todos os direitos negados até a morte. Nestes casos, ocorreu o fenômeno
do "desaldeamento". Grupioni (1994, p. 22) deixa claro que são as
descobertas absurdas sobre "A violência cometida contra populações
nativas e a preocupação com sua preservação que têm levado, por sua vez,
a mobilização na área científica". E esta mobilização nada mais
significa do que a busca pelos reais fatos que podem servir para a
reconstrução da história. E para isto, não vale apenas estudos sobre o
que está registrado, mas pesquisas que se fundamentam em relatos orais.
Quando a pesquisa se volta para as populações indígenas do Nordeste
brasileiro, os fatos absurdos, os massacres, a negação de direitos é
cada vez mais aprofundada porque a ordem era dizimar os indígenas, mesmo
que fosse na historiografia. E assim se sucedeu. Tanto que hoje, é
possível se ouvir dos próprios nordestinos, às vezes sem saber do que
falam, que não veem indígenas na região. Isto corre em nosso município.
João Paulo de Melo Silva, pertencente ao povo Potiguara da
Comunidade Indígena Amarelão do município de João Câmara (RN),
premiado do edital "Comunica Diversidade 2014,
Edição Juventude" do Ministério da Cultura.
Um fenômeno que se baseia equivocadamente na concepção de que os índios
da região foram exterminados. Mas é aí que se olha para os relatos orais
e veem-se as discrepâncias. Como os índios do Apodi, os Tapuias Paiacus
foram totalmente exterminados se há pessoas que relatam suas
descendências indígenas, que contam fatos e episódios que foram
repassados no seio familiar de geração a geração, que guardam até hoje
artefatos utilizados pelos antepassados dentro de suas casas e com isso
comprovam uma remanescência viva?
Além disso, não é mais possível se conceber, em pleno século XXI, que o
índio como ser humano que é, permaneça andando nu, que viva em
aldeamentos isolados e longe de evolução tecnológica e científica que
vive a maioria da população planetária. Seria uma segunda avalanche de
negações de direitos. Ainda mais quando já s tem a certeza de que a
dispersão indígena ocorrida em partes do território nacional foi
determinada por leis e decretos imperiais.
Primeira turma composta só por índios.
Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica
pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Primeiro índio Doutor pela UnB.
Doutorado em Linguística para indígena.
No município de Apodi, por exemplo, existem sim famílias que são
fortemente ligadas á cultura dos seus ancestrais, pessoas que até hoje
foram obrigadas, a maioria pelo preconceito do qual têm medo, outras
pelo fato de não conhecer a importância de reconstruírem suas
identidades, e ainda outras por temor de presenciar as humilhações e
massacres vividos e conhecidos através de relatos de pessoas que fizeram
parte de sua genealogia e que repassaram informações ao longo da vida
familiar.
Fotos representam as imagens de reuniões
com famílias indígenas no CHCTPLA
O certo é que nosso Estado e nossa região, apesar da violência cometida
contra os povos indígenas, nos últimos anos tem tentado reconstruir a
história do povo tapuia que aqui nasceu, viveu e ainda vive. Mas, é
também importante compreender que, para essa reconstrução, clichês e
compreensões genéricas devem ser evitadas. Duas colocações muito comuns
não devem ser consideradas: “Não há indígenas em Apodi” e “Todos os
apodienses são remanescentes”. Estas colocações são equivocadas porque,
dizer que negar a remanescência viva é negar a presença nativa em nosso
território e achar que todos são remanescentes é negar a presença de
famílias portuguesas natas na região.
Cacique Luiz Katu - Comunidade Katu do Eliotérios do Katu -Canguaretama/RN.
Referência na luta pelos direitos indígenas no RN
O que deve se deve considerar são os traços culturais, os relatos orais e
a autoafirmação consciente como dado de identificação do pertencimento
ao povo Tapuia Paiacu. E isto, já é algo real feito pelo Centro
Histórico Cultural Tapuia Paiacu da Lagoa do Apodi (CHCTPLA), através de
um trabalho árduo, difícil e lento idealizado pela índia tapuia
autodeclarada Lúcia Maria Tavares, presidente do Centro Histórico,
auxiliada pela vice-presidente da entidade Mônica Freitas e de Isaac
Torres, todos autodeclarados como remanescentes tapuias.
A base teórica da entidade está situada na ideia de que os povos
indígenas se revelam na “As sociedades indígenas compartilham de um
conjunto de traços e elementos básicos, que são comuns a todas elas e as
diferenciam de sociedades de outro tipo” (GRUPIONI, p. 18). E os
costumes, heranças culturais, traços da história familiar é o que se
insere nesse contexto para afirmar a descendência. Em suma, não se pode
dizer que os índios Paiacus do Apodi não existem mais, que não há
remanescência. Todavia, não se pode afirmar que toda a nossa sociedade é
remanescente. É preciso guardar traços históricos e indícios seguros da
etnia.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
GRUPIONI. LUÍS DONISETE BENZI. (Org). Índios no Brasil. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1994.
Por Mônica Freitas - Blog Fonte Tapuya de Apodi
Parabéns, Vivi! Excelente matéria. Beijos.
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