(*) Rinaldo Barros
“O Ovo da Serpente” é o nome de um filme de Ingmar Bergman
que mostra os conflitos e a desordem que antecederam a ascensão do nazismo.
Dizem que a história só se repete como farsa. Todavia, refrescando a memória
dos mais desligados, relembro:
No início da década de 1930, a Alemanha tinha a economia
extremamente turbulenta.
A crise econômica mundial que havia se iniciado em 1929
havia atingido o país em cheio e milhões de pessoas estavam desempregadas. Na
memória de muitos ainda estava fresca a humilhante derrota alemã frente à
França, quinze anos atrás, na Primeira Guerra Mundial, e os alemães não
confiavam em seu governo, fraco, conhecido como República de Weimar.
De inflação, o Brasil entende. Mesmo assim é difícil
imaginar o que aconteceu na Alemanha do começo do século 20. No círculo vicioso
da inflação, os preços sempre sobem antes dos salários, levando as famílias ao
desespero.
Aquelas condições propiciaram o surgimento de um novo líder,
Adolf Hitler e seu Partido (Nacional Socialista) dos Trabalhadores
Alemães.
Hitler era um orador eloquente e ardiloso que atraía um
grande número de seguidores desesperados por mudanças. Ele prometia uma vida
melhor aos desiludidos e uma nova e gloriosa Alemanha. Os nazistas atraíam
principalmente os desempregados, jovens e membros da classe média baixa, tais
como donos de pequenos negócios, funcionários administrativos, artesãos e
fazendeiros.
Antes da depressão econômica, os nazistas eram praticamente
desconhecidos, recebendo apenas 3% dos votos ao Reichstag (Parlamento Alemão)
nas eleições de 1924. Em 1932, no entanto, os nazistas tiveram 33% dos votos,
mais do que qualquer outro partido. Em janeiro de 1933, Hitler foi nomeado
chanceler, o líder do governo alemão, e os alemães acreditaram que haviam
encontrado o salvador de sua pátria.
Fecha o pano sobre o passado.
Atualmente, no patropi, vivemos um momento complicado de
violência e deboche, em que quase todos os conflitos degeneram em agressões. A
Democracia, frágil e jovem, não anda bem em nosso país.
As mediações políticas estão cada vez mais raras. A
Democracia brasileira é um veículo sem o jogo de molas, que anda aos
solavancos, ameaçado pelo perigo de empacar. Carece de um lubrificante
essencial: o diálogo.
Os idos de junho de 2013 aprofundaram o abismo entre os
partidos políticos e a sociedade. Apesar da retórica populista, os políticos
mergulharam no seu mundo, perdidos nas transações fisiológicas.
Quando o PT governo, ao tentar solucionar um problema, cria
um novo e complicado enredo, é sinal de que não funciona como timoneiro, apenas
indica que perdemos o rumo.
O discurso não é só o de Dilma descrevendo o melhor dos
mundos. Quando os falsos argumentos se esgotam, servem de pretexto para
explicar as lacunas da nossa política surreal: “não há corrupção no meu
governo”. Por outro lado, não vejo como possíveis grandes mudanças na economia.
Nem creio que Dilma, diante do princípio de caos, fará mais do que convocar
reuniões, que resultam em comissões e novas reuniões.
O veículo democrático brasileiro está condenado aos
solavancos. Mas o filme de Bergman mostra algo importante. Acostumar-se com a
violência cotidiana é perigoso, pois esses fatos tendem a desembocar em algo
pior.
Um adolescente no Flamengo, no Rio, preso por um cadeado foi
mais um episódio revelador do nível de intolerância que vivemos. Justiça pelas
próprias mãos, combates armados na rua, incêndios de ônibus - tudo isso vai
sucedendo sem nenhum nexo com uma visão de mudança do País. Os que sonham em
apenas manter-se no poder se arriscam a perder, mesmo na vitória eleitoral.
Isso pode acender a centelha irracional do ódio.
Tem havido uma polarização exacerbada nos grandes debates
brasileiros. É sempre fácil enxergar as posições nos dois extremos do espectro
político-ideológico.
Como diria Luís Fernando Veríssimo, “Inacreditável é, depois
de dois mil anos de civilização cristã, existir gente que ama seus filhos e
seus cachorros e se emociona com a novela, mas - mesmo assim, defende fazer
justiça como as próprias mãos, como se fosse certo enfrentar a barbárie com a
barbárie, e salvar uma sociedade fosse embrutecê-la até a autodestruição”.
Que País vai emergir desses confrontos cotidianos? Será
governável apenas distribuindo cargos aos aliados? Ou, pior. Será que estamos
assistindo ao despertar da serpente?
(*) Rinaldo Barros é professor - rb@opiniaopolitica.com
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