Tomislav R. Femenick – Historiador
Algumas
ocorrências recentes provocaram em mim sentimentos daquilo que antigamente se
costuma chamar de “emoção existencialista”. Explico. Essa atitude se
caracteriza pela mistura do conceito do mundo
real com especulações sobre a busca da racionalidade, por meio de um conceito abstrato da existência. Não,
não é nada filosófico e chato. No meu dia-a-dia “pão-pão, queijo-queijo” não há
espaço para Kierkegaard, Heidegger, Sartre, Espinosa,
Descartes e
Leibniz. Isso eu deixo para os momentos de ócio absoluto, quando os pensamentos
voam livres, desapegados da vida.
Foi
assim que descobri algo que muitos outros já devem ter descoberto antes de mim:
quando nascemos tem inicio um período em que pessoas, fatos e lembranças vão se
agregando à nossa existência em uma velocidade e quantidade imensas. Pai, mãe,
parentes, vizinhos, as brincadeira da infância, colegas da escola e do
trabalho, as namoradas, as farras, as viagens, o que aprendemos nos estudos e
pelo simples fato de viver. Alguns desses elementos permanecem vivos em nossa
consciência, outros parecem desaparecer para inesperadamente reviverem,
despertados por um incidente inesperado qualquer.
Em
certa etapa da vida tem inicio um processo reverso. Começamos a perder
lembranças de acontecimentos que no passado foram importante pera nós, nos
distanciamos dos antigos vizinhos e colegas da escola e do trabalho e, o mais
duro, começamos a perder para sempre parentes e amigos, ceifados pela
inexorabilidade da morte.
Os
últimos anos foram pródigos nessas perdas. Lá se foram minha mãe e minha tia
Albinha, os últimos viventes de uma prole de vinte e um nascidos do casal José
Rodrigues e de Dona Mariquinha, meus avós maternos. Da família de meu pai croata,
nunca tive notícia a não ser de um primo, isso há quase sessenta anos. Perdi
também vários amigos, entre eles Dorian Gray Caldas.
E
agora recebo a notícia do falecimento de Assis Amorim. Esse um amigo especial.
Tornamos-nos próximos nos encontros casuais havidos no coreto da Praça Antonio
Joaquim, lá em Mossoró, quando discutíamos tudo, até o que não sabíamos nada de
nada. Lá estava Assis e pontificar, com um vocabulário esmerado – depois descobrimos
que ele se preparava para esses encontros e encaminhava a discussão para ai
distribuir conhecimento. Pequenos pecados da juventude, mas que serviram para
espalhar saberes.
Francisco
de Assis Freitas Amorim (FAFA para os íntimos) era um ser com características variadas e peculiares. Idealizador e
planejador de prédios sem ser arquiteto, construtor sem ser engenheiro,
bancário do Banco do Nordeste – ocasião em que trabalhamos junto –, vereador,
deputado estadual, economista, advogado e juiz. Acima de tudo era um ser de uma
inteligência rara que só aqueles que desfrutaram de seu convívio podem
aquilatar.
Lembro-me
de uma série de conversa que uma vez tivemos. Nós, dois jovens inquietos
intelectualmente, resolvemos entender a tal lei da relatividade de Einstein. Sempre
empacávamos nos fatores “tempo” e “espaço”, os quais entendíamos como
inseparáveis. Até que um dia resolvemos, por conta própria, separa-los e os
projeta-los no curto e longo prazo. Isso sem ajuda de ninguém, nem do Padre
Sátiro – nosso eterno professor e diretor –, pois éramos jovens e, como tal,
autossuficientes. Trazendo nossa especulação para nosso terreno, resolvemos que
“tempo” era uma questão de escolha pessoal e que o espaço era coisa de Deus.
Simples assim. Como era bom ser jovens e descompromissados; compromisso só com
nós mesmo.
Lamento
bastante não ter me encontrado com Assis mais vezes nos últimos anos. Mesmo
recentemente quando fui a Mossoró proferir palestra na UFERSA, na Universidade
Estadual ou na Maçonaria não tive tempo de visita-lo. Agora me penitencio e
vejo que desperdicei o meu tempo ao não encontra mais vezes o meu amigo e com
ele jogar conversa fora.
Tribuna
do Norte. Natal, 15.02.2017
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