terça-feira, 5 de julho de 2011

POR FAVOR, PRENDA-ME!


- Milton Biagioni Furquim -
O senhor e a senhora que são pessoas de bem, cumpridoras de suas obrigações, que pagam os impostos mais caros do planeta, que labutam com tantas dificuldades no dia-a-dia para dar um mínimo de conforto para seus filhos, que honram com seus compromissos para manter o bom nome que desfruta em seu meio social, não se assuste, como disse um promotor de justiça indignado, se no mesmo dia ou, na pior das hipóteses no dia seguinte, você deparar na rua, na loja, na praça, o assaltante que entrou armado em sua casa, o ladrão que roubou seu carro, o criminoso que lhe causou lesão corporal grave, o sujeito que matou seu filho, o meliante que assediou uma criança para fins libidinosos, o bandido que estava circulando com uma arma de fogo em via pública, etc. e, pior, rindo de sua ‘cara’. Eu disse para não se assustar. É isso mesmo o que você está lendo, porque é isso que irá acontecer de agora em diante. Digo isso também àqueles doutrinadores e juristas que aplaudiram e aplaudem as recentes alterações na legislação processual penal.

Quando a sociedade há tempos vem clamando por uma legislação penal mais rigorosa, exigindo das autoridades uma punição exemplar aos criminosos, ante a crescente criminalidade e, sobretudo, diante da crença da impunidade que se instaurou neste País, o Congresso Nacional, caminhando na contramão dos anseios populares, aprovou a Lei n 12.403/11, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, medidas cautelares, com vigência a partir de 4 de julho. Vale dizer, mesmo com a criminalidade em níveis alarmantes e intoleráveis, a Lei evoluiu em prol daqueles que praticam crimes, enfraquecendo, com certeza, o trabalho repressivo da Polícia, e do Juiz, o poder de manter presos aqueles que deveriam ser apartados do convívio social.

A bem da verdade a aprovação das alterações na legislação processual penal se deu em face do déficit de vagas nas penitenciárias e cadeias públicas. O Governo, para não aumentar o número de vagas nos presídios com construções de novas cadeias e penitenciárias resolveu, com uma ‘canetada’ – aprovação da referida Lei, abrir as portas das cadeias e dar um salvo conduto aos meliantes, criminosos, permitindo que, mesmo cometendo crimes, a exemplo dos acima elencados, permaneçam soltos até que seja prolatada uma sentença condenatória com trânsito em julgado. Na prática, as cadeias terão mais vagas, eis que esse é o objetivo maior dessa Lei, mas em contrapartida, a polícia continuará prendendo e o Juiz, agora também o Delegado de Polícia, obedecendo o que manda a recém aprovada Lei, soltando-os. Não tenho a menor dúvida de que a referida Lei irá contribuir para o aumento da criminalidade e, por outra, aumentar a revolta do cidadão de bem, pois as alterações na legislação processual penal favorecem a impunidade e o crime. Com as alterações do CPP, cria-se uma série de alternativas à prisão provisória, permitindo ao infrator permanecer solto. Se já estava ruim, a situação tende a piorar.

Se a superlotação das cadeias não está sendo controlada pelo Governo, não podemos resolver o problema abrindo as portas das celas e botando os marginais nas ruas. A crise carcerária é uma questão de política pública e não é para ser resolvida pelo legislador processual. Não tenho dúvidas de que, quando assaltantes e outros meliantes forem presos em flagrantes e de imediato colocados em liberdade, a sociedade dirá que a culpa é do Juiz e, portanto, nessa hora devemos, sem titubear dizer ao povo que quem votou e sancionou a Lei foram os Poderes Legislativo e Executivo e, nós do Judiciário – Juízes, agora também o Delegado de Polícia, apenas estamos cumprindo a Lei. Referida Lei teve por objetivo beneficiar o acusado, no entanto esqueceu-se da sociedade. Ora, se nossas cadeias são umas pocilgas, a solução não é colocar ou deixar bandidos perigosos nas ruas, mas sim, exigir que o Poder Executivo administre corretamente o sistema carcerário. Há uma estimativa de que metade dos presos provisórios (sem condenação) do Brasil poderá estar fora das celas. É uma multidão de mais de 90 mil pessoas a serem soltas. A novel legislação processual penal torna mais difícil mandar para a prisão e mantê-los presos aqueles que cometem crimes. A vigência do novo CPP é retroativa, ou seja, vale para todos os que já estão detidos.

Pois bem, passemos, então, a discorrer, de forma sucinta, mas o suficiente, sobre algumas das alterações na legislação processual penal que dá um voto de confiança ao marginal para continuar cometendo crimes. Para o sujeito que comete um crime, a Lei aprovada pelo seu Deputado que, na maioria das vezes você sequer se lembra do nome dele, deve ser aplicada uma das nove medidas cautelares aprovadas antes de optar pela prisão, ou seja, a prisão do sujeito somente será decretada e ele mantido preso, em último caso. As medidas cautelares a serem aplicadas são: I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (artigo 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX - monitoração eletrônica.

De agora em diante, nos crimes punidos com reclusão de até 04 anos, lembrando que a maioria dos crimes previstos no Código Penal tem a pena igual ou inferior a 04 anos, ninguém mais permanecerá preso, a não ser os reincidentes, isso porque o Delegado de Polícia, sem a apreciação do Promotor e do Juiz, deverá arbitrar fiança e liberar imediatamente o criminoso, lembrando que anteriormente à aprovação da referida Lei tal não era possível. Agora, relembrando, nos crimes de porte e disparo de arma de fogo, furto, roubo, lesão corporal gravíssima, corrupção passiva, peculato, extorsão, receptação, apropriação indébita, homicídio, cárcere privado, corrupção de menores, formação de quadrilha, contrabando, armazenamento e transmissão de foto pornográfica de criança, assédio de criança para fins libidinosos, destruição de bem público, comercialização de produto agrotóxico sem origem, emissão de duplicada falsa, estelionato e vários outros, o Delegado de Polícia terá que arbitrar a fiança e ‘mandar o infrator para a rua’.

Interessante ressaltar que mais de 90% dos infratores são pessoas de baixo poder aquisitivo e, uma vez arbitrada a fiança, cujo valor mínimo será o salário mínimo, por certo ele não terá condições da pagar, então basta alegar que não tem condições e não tem mesmo, para que a fiança seja reduzida em até 2/3, ou, então, dispensada do pagamento, com isso ele não passará uma noite sequer atrás das grades. Já os aquinhoados com uma boa situação financeira, o valor da fiança arbitrada não será problema, ele pagará o valor da fiança e retornará ao convívio social rindo da sua ‘cara’ e escarnecendo da Polícia e da Justiça para desespero e frustração da vítima e/ou seus familiares.

Então para você cidadão de bem que teve o seu estabelecimento ou casa ou veículo furtado; que chorou a morte de um parente ou amigo assassinado; que revoltou-se com o assédio sexual de sua filha; que deparou-se com um sujeito portando arma de fogo pelas ruas; que tem conhecimento do sujeito que utiliza de menor para cometer crimes; que conhece pessoas que se associaram para cometer crimes; aquele que lhe deu um cheque sem fundos e tantos outros crimes cuja pena seja igual ou inferior a 04 anos, terá que contentar-se, resignar-se e com eles conviver diuturnamente, pois a referida Lei aprovada lhes garante conviver consigo socialmente enquanto respondem ao processo em liberdade. E não se iluda, embora não seja questão que diga respeito às alterações da legislação processual penal ora comentada, em caso de serem condenados, ainda, quase sempre, terão o direito ao sursis, de cumprir a pena em regime aberto, de serem beneficiados pela progressão de regime, direitos a saída temporária e ao livramento condicional, isso se anteriormente não forem beneficiados, dependendo do caso, com a suspensão condicional do processo.

Faço uma observação interessante, eis que a questão não está inserida na análise do que me propus, caso o Delegado de Polícia represente, ou o Promotor de Justiça requeira ao Juiz, seja na fase policial, seja durante a instrução penal, a aplicação de qualquer uma das medidas cautelares ao criminoso, o Juiz deverá ouvi-lo (o criminoso) sobre o pedido para ver se ele concorda ou não. Num é prá rir ou quem sabe chorar? Saber do criminoso se ele concorda com a medida requerida pelo Delegado ou Promotor é o fim da ‘picada’ como costuma dizer o grande filósofo da província, o Tiziu?

Por outra, nos crimes com pena prevista superior a 04 anos não poderá o Delegado de Polícia arbitrar fiança. Para estes crimes, o meliante ao ser preso em flagrante terá que ter sua prisão comunicada ao Juiz que, pela Lei aprovada obriga-o, ao receber a comunicação da prisão em flagrante, a decidir fundamentadamente se relaxa a prisão, ou aplica alguma medida cautelar diversa da prisão, colocando o acusado em liberdade, ou se converte a prisão em flagrante em prisão preventiva. O Juiz tendo em mãos o auto de prisão em flagrante, primeiramente deverá aferir se a prisão feita pela polícia foi legal; se está regular, isto é, de acordo com o que determina o CPP, se a confecção do auto de prisão obedeceu aos requisitos legais e, em caso de qualquer irregularidade no auto de prisão em flagrante deverá o Juiz, de pronto, relaxar a prisão e mandar soltar o infrator e, caso o Juiz assim não proceda, bastará impetrar um simples habeas corpus para que o sujeito ganhe as ruas.

Por outra, verificando o Juiz que o apf está em conformidade com a legislação processual penal, então passará para a fase seguinte, isto é, ele irá verificar sobre a possibilidade de aplicar uma ou mais de uma das nove medidas cautelares aprovadas, conforme elencadas acima. Se entender o Juiz que uma ou mais de uma das medidas cautelares é o quanto basta, então aplicará a(s) medida(s) e mandará soltar o preso, portanto, neste caso, não poderá converter a prisão em flagrante em prisão preventiva. De modo que a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva e/ou a decretação autônoma de uma prisão preventiva pelo Juiz só será possível e admitida em casos excepcionais, como, por exemplo, para os reincidentes e para aqueles que tenham cometidos crimes com pena superior a quatro anos e em que exista clamor público. De uma vez por todas privilegia-se o princípio da excepcionalidade da prisão cautelar, restando, esta, em hipóteses excepcionais.

Para melhor compreensão tomemos de exemplo um crime de homicídio qualificado. Dois jovens protagonizam uma briga de bar por questão de somenos importância. O jovem que apanhou dirige-se até sua casa, relata os fatos aos familiares e, então, o pai, o filho que apanhou e mais dois irmãos saem a procura do outro jovem e, encontrando-o nas proximidades de sua casa, passaram a agredi-lo de forma covarde e, uma vez a vítima prostrada ao chão, os agressores, não contentes, sacaram de suas facas e desferiram-lhe inúmeros golpes com requintes de crueldade e sem dar-lhe a menor chance de defesa. A vítima, jovem de 19 anos, faleceu no local. Os assassinos evadiram-se e, algum tempo após foram presos em flagrante. O Delegado de Polícia, considerando que o homicídio qualificado tem uma pena prevista superior a 04 anos, por óbvio não arbitrou a fiança.. Após a confecção o apf foi remetido ao Juiz. Este, de posse do apf, passou a analisar se era caso de relaxar o flagrante, ou aplicar uma das nove medidas cautelares e, por fim, se era caso de converter a prisão em flagrante em prisão preventiva.

Interessante considerar que no exemplo citado os assassinos têm residência fixa, são trabalhadores, não tem antecedentes desabonadores, muito embora tenham praticado o homicídio com requintes de crueldades, sem propiciar qualquer reação de defesa por parte da vítima. Enfim, cometeram um crime bárbaro e de forma covarde, como quase todos os assassinatos são praticados.

No exemplo citado o juiz, então, passará a analisar e decidir de acordo com as alterações da Lei. Na primeira fase da análise o Juiz verificará se o apf é passível de relaxamento e se positivo mandará soltar os assassinos. Observa-se que a prisão se dera de forma legal e regular. A confecção do apf observou as exigências legais. Está perfeito na forma. Não há nenhuma irregularidade, então o Juiz passará para a segunda fase para verificar se é possível aplicar aos assassinos uma ou mais de uma das nove medidas cautelares que, se positivo, mandará soltá-los.

Considerando que os assassinos têm residência fixa, são trabalhadores e não possuem antecedentes desabonadores, embora tenham praticado o homicídio de forma cruel, o Juiz verifica que não é o caso de soltá-los mediante o compromisso de comparecer em juízo para justificar suas atividades (I), bem como de proibi-los de freqüentar determinados lugares – bares, boates, festas, etc. (II), ou, ainda, de proibi-los de ter contato com parentes da vítima (III), assim como de proibi-los de ausentarem-se da Comarca sem autorização (IV). Continuando na análise sobre a possibilidade de soltá-los, o Juiz verifica que determinar aos assassinos que se recolham em seus domicílios durante o período noturno e nos dias de folga (V) é uma medida inócua, e que não é possível aplicá-los a suspensão de suas funções públicas, pois não são servidores públicos (VI) e, também, não é o caso de internação dos assassinos já que são imputáveis (VII), não sendo possível, também, a monitoração eletrônica dos assassinos já que as Delegacias não possuem referidos aparelhos eletrônicos (IX). Por fim passará a analisar se é caso de arbitrar fiança (IX) que, se arbitrada e alegarem a impossibilidade de pagá-la, o Juiz dispensará do pagamento da fiança e mandará soltá-los, mas no nosso exemplo, possivelmente a fiança não será arbitrada e, então o juiz passará para a última etapa, no caso, fundamentadamente, converterá a prisão em flagrante em prisão preventiva e os assassinos continuarão presos. Lembro que mesmo assim eles poderão impetrar um habeas corpus. De modo que a prisão e manutenção dos assassinos na cadeia só foi possível após o Juiz proceder a análise sobre a possibilidade de aplicação de qualquer uma das nove medidas cautelares. Então, conclui-se que a prisão de qualquer infrator somente terá cabimento desde que não caiba nenhuma medida cautelar diversa da prisão.

E se por acaso for aplicada qualquer uma das medidas cautelares e soltar os assassinos, quem vai fiscalizar o cumprimento das condições? O Juiz para aplicar uma das medidas cautelares e soltar os assassinos não terá que ouvir o Promotor, então qual o recurso cabível desta decisão e quem estará legitimado para recorrer?

Assim, com as alterações da legislação processual penal aprovada com o voto do seu Deputado o criminoso para ser preso e continuar preso terá que olhar nos olhos do Juiz e implorar: POR FAVOR, PRENDA-ME.



Milton Biagioni Furquim
Juiz de Direito

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