sábado, 22 de dezembro de 2012

GENIALIDADE E PAIXÃO



Ciro José Tavares

A avassaladora paixão e a genialidade permitiram ao poeta escrever um dos mais belos textos da poesia mundial São sublimes e emocionantes os versos, nascidos numa diligência, na viagem entre karlsbad e Eger. Na cabine, além do poeta, seu secretário e seu servo. Apenas o barulho das rodas quebra o silêncio daquele espaço exíguo. O lápis trabalha anotando no papel as reflexões até chegar ao destino final. Refiro-me ao conselheiro secreto do grão-duque da Saxônia ~Weimar, o orgulho do idioma tudesco na literatura, Johann Wolfgang Von Goethe.
Sua ELEGIA DE MARIENBAD, escrita em 1823, ainda hoje resoa no universo poético e é leitura indispensável aos que apreciam a arte literária. Para compreendê-la na sua enorme dimensão necessário conhecer as razões que o levaram confessar o amor, acontecido, aos 74 anos, por Ulrike Von Levetzov, de 19 anos. Mas é no poema Tasso que Goethe declara o motivo fundamental da criação: “E quando o homem se cala em seu tormento Deus me inspirou a dizer o que estou sofrendo”.
Ao concluir a Elegia ele próprio considerou o mais significativo, o mais íntimo e pessoal e por isso também o poema preferido na sua velhice. É realmente sublime a forma como Goethe cuidou do poema, como nos relata Stefan Zweig; “Chegando a Weimar, antes de atender a qualquer outro assunto, ocupou-se em fazer, de próprio punho, uma cópia dessa artística elegia. Durante três dias, copiou-a num papel bem escolhido, em grandes e solenes caracteres, como um monge na sua cela, escondendo-a até mesmo dos mais íntimos, dos que gozavam da sua inteira confiança, como se fosse um precioso segredo. Ele próprio fez a encadernação para que nenhuma pessoa indiscreta divulgasse prematuramente a poesia. Amarrou o manuscrito com um cordão de seda e guardou-o numa capa de marroquim vermelho, que mais tarde substituiu por uma maravilhosa encadernação de tela azul, que ainda hoje pode ser vista no arquivo de Goethe e de Schiller”.
A paixão do poeta explode sobre quem não podia, mas como explicar as razões do coração? As teias e encruzilhadas que a vida arma surpreendendo o artista? O episódio amoroso de Goethe não é um caso isolado na história da literatura. Vida Nova, de Dante Alighieri, belo e profundo texto de confidência lírica, foi escrito em louvor de Bbeatrice Portinari. Também os poemas para Jane Williams, The Magic Circle, de Percy Bisshe Shelley, escritos no inverno e primavera de 1822, em Lerici, litoral italiano, classificados entre os melhores da língua inglesa, resultam da paixão irrevelada pela amiga e esposa do capitão Williams, companheiro no naufrágio do barco Ariel, no Golfo de Spezia, onde ambos faleceram.
O certo é que a elevada sensibilidade dessas figuras excepcionais explode sem mandar aviso e muitas vezes, além da realidade, chega a permear terreno legendário, dando origem aos mitos, como Lancelot Du Lac e Guenevere, Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Don Quixote e Dulcinéia.
Goethe sem levar em conta a diferença da idade, entusiasmado como um adolescente arrisca-se a pedir em casamento a jovem e bela polonesa e o faz por intermédio do Grão-duque. A senhora Levetzov, mãe de Ulrike parece ter pedido tempo para refletir. Afinal ela conhece bem o poeta. Há 15 anos fora Por ele amada e venerada, num tempo em que paternalmente brincara com sua filhinha, segurando-a no colo. O longo silêncio, presumindo a negativa, o escárnio dos seus familiares por esses desejos matrimoniais, levam-no a viver dias monótonos e deprimentes. Refeito do golpe, decide apresentar o poema que tem significado especial na sua vida. Convida Johann Peter Eckermann e alguns íntimos para a abertura do santuário e ouvir a leitura. Depois se segue um período difícil para sua saúde quando ninguém se ocupa do velho doente e abandonado. E o que parecia ser o princípio do fim, acaba sendo uma gloriosa vitória. O amigo e compositor Carl Friedrich Zelter vem de Berlim parara visitá-lo e tomado de compaixão permanece na sua companhia para curá-lo. O remédio é a leitura repetida e incansável de textos poéticos. Ao compreender que o sonho de uma vida conjugal com aquela menina terminara, Goethe mergulha no trabalho para reunir sua obra literária, então dispersa e desarticulada. É quando retoma o Fausto, concluído sete anos depois desses acontecimentos.

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