Ciro
José Tavares
A maior dificuldade na análise literária é a compreensão
do vocábulo incluído no texto, no que respeita ao seu dimensionamento, o
correto significado no tema que está sendo abordado. O leitor, por mais ávido e
experiente que seja, escolhe por comodismo ler sem o apoio do dicionário e isso
não é bom. Algumas palavras, às vezes as mais simples e conhecidas, emergem nas
entrelinhas com força subjetiva que nos obriga refletir. A obra de Marcel
Proust, Em busca do Tempo Perdido, por exemplo, exige maior tempo na reflexão
do que na leitura propriamente dita. A poesia de Thomas Stearns Eliot, com seus
versos longos e fracionados, indo adiante e retornando para retomar a linha
melódica, deve ser lida com extrema paciência. A de William Blake, ainda mais
complicada porque precisamos encontrar o caminho no meio de suas cores que
nublam o entendimento.
A palavra saudade, que só a língua portuguesa registra,
não é somente o sentimento melancólico pelo afastamento ou ausência de pessoas,
lugares, acontecimentos passados e outras definições atribuídas pelos
dicionários.Adelle de Oliveira, no seu silêncio, na sua solidão teve a bendita
coragem de escrever sobre tema tão complexo. E o fez com ima precisão que eu
diria matemática. Seu poema Ignota Saudade não é o lugar comum de tantos
outros. Nos dois primeiros versos já exige a suspensão da leitura para
mergulhar no que escreve. É simples, mas arrasta o leitor ao universo das
dúvidas e dos descobrimentos.
“Esta grande
saudade eu não sei de que veio,
E nem sei “por que foi que se
infiltrou em meu seio.”
A partir dessa incógnita ela avança permeando o que chama
“insondável mistério o coração humano.” Quanto mais o leio, e foram tantas,
novas e assustadoras vertentes se me apresentam.
A propósito, Zuleide disse-me que só quem ama sente
saudade. Banal? Muito ao contrário. Goethe corrobora a afirmativa na bela
Elegia de Marienbad:
“Ante a bruta saudade me impelindo,
Só me resta um remédio, o
choro infindo.
Choro que jorra e flui, mas
não tem jeito
De em meu íntimo a flama
arrefecer!
Que violento me invade e
rasga o peito
Onde
a morte e o amor vêm combater.”
Também
Oscar Wilde, no conto O Rouxinol E A Rosa, ao descrever o gesto do pássaro que
doa sua vida para construir uma rosa vermelha. “A Vida é muito querida por todos.
Contudo o Amor é melhor que a Vida e que é o coração de um pássaro comparado
com o coração de um homem?”
No
inglês a expressão Recollection não está restrita a lembranças, reminiscências.
A amplitude do termo é encontrada no longo poema de Percy Bysshe Shelley To
Jane: The Recollection. O poeta, propositadamente, mantém a palavra no singular,
pois sua proposta estabelecida nos dois primeiros versos:
“Now the last Day of many days,
All beautiful and bright as thou”.
Somente
nos últimos nove versos da quarta e penúltima estrofe ele, finalmente,
esclarece.
A
dificuldade que encontro na tradução de um poema de Shelley é o tempo que gasto
dissecando seu pensamento na alma dos versos. Ele escreve o que não vê é
extremamente lírico e subjetivo. O vocábulo Recollection está “traçado num
círculo mágico, um espírito que nos enlaça e penetra uma vida quieta e
arrebatadora, limitada momentaneamente ao antagonismo mortal de nossa natureza”,
e completar seu elevado e espiritual raciocínio escrevendo:
“inebriado,
senti que, na inerte atmosfera, o centro do círculo mágico fora preenchido com
amor imaculado”. Na verdade a poesia é uma declaração de amor. Em Lerici, no
litoral italiano, Shelley escreve seus últimos poemas, integrantes do que a
crítica denomina o Círculo Mágico, todos eles dedicados à Jane William, sua
hóspede na Casa Magni. Poucos dias depois, morreu afogado quando seu barco
Ariel, naufragou no Golfo de Spezia. O marido de Jane, Edward Williams, e um
grumete estavam com ele e pereceram no acidente.
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